quinta-feira, 19 de maio de 2011

Contratos do Pau Brasil

Paulo Werneck
Pau Brasil plantado por Washington Luis
Fonte: www.casaruibarbosa.gov.br
Portugal "achou" o Brasil mas não sabia o que fazer com ele.
Johnson sustenta que, pela experiência anterior, se fosse despovoado, poderia ser transformado em colônia, como foi feito nas ilhas do Atlântico; se fosse habitado, poderiam ter sido criadas feitorias comerciais defendidas por patrulhas marítimas. Mas a terra era pobre e povoada por gente da idade da pedra, tinha apenas pau de tinta, duro e pesado. Nenhuma das alternativas era adequada.
Dom Manuel tentou resolver o problema às custas de terceiros, a quem atribuia obrigações de exploração e defesa, e ainda lucrava sobre os resultados positivos, quando os havia, recebendo um percentual deles.
O primeiro arrendamento foi a favor de um grupo de capitalistas liderados por Fernando de Noronha (ou Loronha).
O contrato não sobreviveu até os nossos dias, mas há duas referências ao mesmo, transcritas e traduzidas por Taunay.
A primeira consiste num trecho de uma carta de Pietro Rondinelli, datada de Sevilha a 3 de outubro de 1502,
Amerigho Vespucci arém qui fra pochi di, el quale à durato asai fatiche e à uto pocho porfitto, che, pure o meritava altro che l'ordine: é re di Portaghallo arendó le terre che lui dischoperse a certi Christiani nuovi, e sono obrigati a mandare ongni anno 6. navile e dischroprire ongni anno. 300. leghe avanti e fare una forteza nel dischoperto e mantenella detti. 3. anni, e 'l primo anno non paghano nulla, e 'lsecondo el 1/6, el terzo 1/4, e fanno chonto di patare verzino asai e schiavi, e forse vi troveranno chose d'altro profitto.
Cuja tradução seria
Américo Vespúcio estará dentro de poucos dias, o qual suportou bastantes fadigas e teve pouco proveito, pois merecia mais que o ordinário; e o rei de Portugal arrendou a terra a certos cristãos-novos, que são obrigados a mandar todos os anos seis navios a descobrir 300 léguas adiante anualmente, e a fazer uma fortaleza no território descoberto, e mantê-las nos ditos três anos; e no primeiro ano nada pagam, no segundo um sexto, no terceiro um quarto e fazem conta de trazer pau-brasil e escravos, e talvez achem outra coisa de proveito
O segundo texto é de Lunardo de Chá Masser, agente comercial veneziano, assim se refere ao assunto do arrendamento:
«Item, da tre anni in qua che fu discoperto Terra Nova, della quale se traza ogni anno verzin da K. 20 mile, el qual verzi mostra sia stá taiado da una arboso molto grosso, el quale é molto pesoso e grave; tamen non tenze in quelle perfezion come fa it nostro da Levante; niente de manco se ne spaza molto in Fiandre, e de qui in Castilla et in Italia per molti lochi; el qual vale ducati 2 1/2 in 3 il K., il qual verzi é appaltado per Firnando della Rogna, cristian novo, per anni 10 da questo Sereníssimo Re, per ducati 4000 all'anno; el qual Firnando dalla Rogna manda al viaggio ogn'anno in detta Terra nova le sue nave, et homeni a tutta sua spesa, con questa condizione: che questo Serenissimo Re deveda che non ne sia stratto da qui avanti della índia. — Eu qual verzi, por quello si vede, fin condotto qui a Lisbona, con tute spese lista per ducati 1/2 il K.; nella qual terra é tutti boschi de questo verzi. Se fa de Lisbona a li, per ostro e garbin, da leghe 800».
Cuja tradução seria
«Item, de há três anos para cá foi descoberta uma Terra Nova da qual se traz todos os anos 20 mil quintais de brasil, o qual é tirado de uma árvore grossa que é muito pesada; mas não tinge com a perfeição em que o faz o nosso do Levante; não obstante despa­cha-se muito para Flandres, e daqui para Castela e Itália para muitos lugares; o qual vale 2 1/2 ducados o quintal, o qual brasil foi concedido por Fernando de Loronha, cristão-novo, durante 10 anos por êste Se­reníssimo Rei por 4000 ducados ao ano; o qual Fernando de Loronha manda em viagem todos os anos à dita Terra Nova os seus navios e homens, a expensas suas, com a condição que êste Sereníssimo Rei proíbe que aqui em diante se extraia da Índia. O qual brasil, pelo que se vê ao fim de trazido a Lisboa lhe fica com todas as despesas por 1/2 ducado o quintal; na qual terra há bosques inteiros deste brasil. Faz-se de Lisboa ali 800 léguas, pelo sul e sudoeste»
Masser entende que o contrato de arrendamento foi feito pelo prazo de 10 anos, por 4.000 ducados anuais, e que o rei português ofereceu um monopólio, proibindo a concorrência de pau brasil extraído das Índias. Já Rondinelli descreve um contrato de três anos, com pagamento proporcional às mercadorias extraídas no Brasil, nada no primeiro ano, um sexto no segundo e um terço no terceiro, com as obrigações adicionais de reconhecer a terra e construir uma fortaleza.
Em 6 de outubro de 1503, concedendo privilégios a mercadores alemães, o Rei informa que o contrato de arrendamento com Fernando de Noronha iria expirar em 1505 (bcb): 
E queremos e nos praz que mercando especiaria ou abrasil ou outra qualquer mercadoria que sse trouver das Indias e das terras novas que se ora descobrirom pouca ou muita non sejam obrigados de pagar sisa nem outro direito algum da compra, levando a dita mercadoria fóra destes Reynos e senhorios delles resalvando que do que comprarem na frota e naaos que foram com ho almirante e asy mesmo na torna viagem das naaos que ora vaão nestas duas armadas que partiram derradeiras pagaram de sisa cinquo por cento e mais non e asy do que comprarem nos navios do trauto de Fernan de Loronha das terras novas durando o tempo do seu contrauto que se acabará no ano de mil bcb
Possivelmente o contrato foi renovado, o que poderia ter levado Masser a erro. Como está dito em  A Primeira (?) Capitania, já em 1504 Noronha recebia uma capitania em doação. Há registros de outras capitanias e de outros arrendamentos, donde podemos depreender que logo logo o Brasil estava sendo casuísicamento explorado por meio de doações de capitanias e por contratos de arrendamento.

Fontes:
JOHNSON, H. B. A Colonização Portuguesa no Brasil 1500-1580 in BETHELL, Leslie (org). América Latina Colonial vol I.
TAUNAY, Alfredo d'Escragnole. A Administração Manuelina in História Administrativa do Brasil, vol 1, publicada pelo DASP em 1956 
A carta de Pietro Rondinelli foi pu­blicada na «Raccolta Colombiana», i. e., «Raccolta di Documenti e Studi publicati dalla R. Commissioni pel quarto centenário dalla scoperta dell'America», 1892, parte III, vol.  II, pág.  121.
O texto de Lunardo de Chá Masser, está em «Relazione», escrita em 1506 ou 1507, publicada primeiramente na Itália e depois em Lisboa no ano de 1892, no volume «Memórias da Comissão Portuguesa do Centenário do Descobrimento da América», editado pela Academia de Ciências de Lisboa. In «História da Colonização Portuguesa do Brasil», II, pág. 278. [3 vol, 1921-1924, direção de C. Malheiro Dias
O diploma real de 6 de outubro de 1503, está em Privilégios Registrados na Chancelaria de D. Manuel I, L. 22. fls. 25. In Antônio Baião, «O comércio do pau-brasil», cap. XI da «História da Colonização Portuguesa do Brasil», II, pág. 325.).