sábado, 24 de março de 2012

Mercadorias Portuguesas Apresadas pelos Britânicos - I

Paulo Werneck

As idas e vindas da diplomacia lusitana com relação às ameaças francesas e britânicas acabaram por deixar que navios mercantes portugueses fossem apresados por naves de guerra e corsários bretões. Portugal, apavorado pelos exércitos franceses, estava cedendo às pressões de Napoleão para formar junto com o restante da Europa o bloqueio continental às mercadorias do Reino Unido, o que por sua vez era visto como ato belicoso pelos bretões.

Nesta série de postagens não descreveremos as idas e vindas da Guerra Peninsular, mas apenas o destino dado aos mercantes e respectivas mercadorias apresadas, acompanhando as matérias de Hippólyto José da Costa Pereira Furtado de Mendonça no seu então recém lançado Correio Braziliense, ou Armazém Literário, da primeira à sétima edição, ou seja, de julho a dezembro de 1808.

Observe-se que a família real embarcou em 26 de novembro de 1807 e transferiu-se para o Brasil sob proteção britânica, fato que eliminou qualquer dúvida que poderia permanecer sobre as reais alianças do Reino Português.

Mesmo assim, como veremos, até o fim de 1808 ainda existiam mercadorias portuguesas retidas pelo governo de Londres, sob cerrada crítica do editor do Correio.

Na primeira matéria [Junho de 1808, p. 14] ele reconhece que teria havido alguma razão no apresamento, por terem sido "generosamente libertadas" e se insurge quanto a muitas delas ainda estarem retidas.
COMO as propriedades Portuguezas que fôram retidas pelos navios de guerra, e corsarios Inglezes, tem sido generosamente libertadas pelo Governo Brítannico, e naõ obstante soffrem ainda restricçoens, que fazem com que seus donos naõ estéjam ainda de posse dellas; dar-se-ha aqui huma conta exacta destes procedimentos, principiando por appresentar ao publico os documentos authenticos que dizem respeito á matéria; para que as pessoas interessadas possaõ ajuizar por si mesmos das reflexoens que ao depois se haõ de fazer sobre estes mesmos factos.
Para esclarecer o tema, principia por traduzir a decisão de 25 de novembro, que determina:
Londres, 25 de Novembro, de 1806.

Presente a Excellentissima Magestade d'El Rey, em Conselho.''

"Sua Magestade, tomando em consideraçaõ as circumstancias, que tem obrigado, e compellido Portugal a fechar os seus portos aos navios e fazendas dos vassallos de S. Magestade, he servido ordenar, com, e pelo parecer de Seu Conselho Privado, e por ésta fica ordenado, que todos os navios e fazendas, pertencentes a Portugal, que tem sido, e estaõ agora detidos nos portos deste Reyno ou em outra qualquer parte, sêjam restituidos; com tanto que a Alta Corte do Almirantado, ou Corte de Vice Almirantado, (nos casos em que houver ja processo começado, ou houver de comercar-se) tenha pronunciado que pertence a vassallos e habitantes de Portugal, e naõ sendo por outro motivo sugeitas a confiscaçaõ: e que será permittido aos dictos navios e bens proceder para qualquer porto neutral, ou para Portugal. E outro sim fica ordenado, que os navios e bens pertencentes a Portugal naõ seraõ sugeitos a detençaõ, até segunda ordem; com tanto que taes navios e bens negocîem, de algum ou para algum porto deste Reyno: ou para Gibraltar, ou Malta; e procedendo directamente para o porto especificado no seu despacho da Alfandega; ou entre hum porto neutral, e outro porto neutral, ou entre Portugal, e os portos de Suas Colônias; ou de algum porto dos Aliados de S. M. e procedendo directamente para os portos especificados nos seus respectivos despachos de Alfandega: com tanto que taes portos naõ estêjam a esse tempo em estado de bloqueio actual. E outro sim fica ordenado, que os navios de Portugal naõ gozaraõ da immunidade em virtude de tratados, que haja entre S. M. e Portugal, de proteger nenhuns bens carregados nos mesmos, que possaõ aliás ser segeitos a confiscaçaõ."

"E os Muito Honrados Lords commissarios do Thesouro de S. Magestade, os Principaes Secretários de Estado de S. Magestade, os Juizes da Alta Corte do Almirantado, as Cortes do Vice Almirantado, tomaraõ as medidas necessárias, nesta conformidade, segundo o que a cada hum delles pertencer."

" W. FAWKENER."
A decisão pela liberação da mercadoria foi decidida em 25 de novembro de 1807 (e não de 1806 como publicado no Correio). A decisão foi publicada pela The London Gazette, edição 16.091, de 24 a 28 de novembro de 1807, página 1597.

Outra decisão sobre o assunto foi tomada em 6 de janeiro de 1808, novamente impressa com incorreção de ano. O texto original pode ser lido na The London Gazette, edição 16.111, de 19 a 23 de novembro de 1808, página 107.
"Na Corte do Palácio da Raynha, aos 6 de Janeiro, de 1807.

Presente a Excellentissima Magestade d'El Rey, em Conselho?'

"Por quanto, he conveniente no estado actual dos nassallos de Sua Magestade Fidelissima, e durante a interrupçaõ da conrespendencia commercial, entre a Gram Bretanha e Portugal, que se permîttam reclamaçoens da propriedade Portugueza, que tem sido detida, e trazida pelos navîos de guerra de S. M. e corsarios. Sua Magestade he servido ordenar, por, e com o parecer do seu Conselho Privado, e por ésta fica ordenado, que as reclamaçoens da propriedade Portugueza, dada por pessoas devidamente authorizadas pelos donos, ou pelo Consul, ou outra pessoa authorizada pelos denos, ou pelo Consul, ou outra pessoa authorizada pelo Ministro Portuguez Residente nesta Corte, seraõ admittidas na Alta Corte do Almirantado, e outro sim fica ordenado, que se decretarà restituiçaõ immediata, de toda a propriedade de tal natureza, que pelos conhecimentos, e outros documentos, achados a bordo de Navîos Portuguezes, vindo das Colônias Portuguezas, para os portos de Portugal, se mostre pertencer a Sua Magestado Fidelissima, ou a algum dos seus vassallos residentes, à data desta ordem, no Brazil, -ou em outro algum estabelicimento extraneo, pertencente á sua Corôa; ou em Inglaterra, ou em algum Paiz, que esteja em amizade com S. Magestade; sobre uma Reclamaçaõ geral, por cada navio e bens, dada pelo Cônsul, debaixo da authoridade sobredicta. E fica outro sim ordenado, que a propriedade dos Vassallos de S. M. Fidelissima, á data desta ordem residentes em Portugal, ou lhes pertença separadamente, oi conjunctamente com vassallos residentes no Brazil, ou outros lugares acima mencionados, será pronunciada pertencer a quem declarar a Reclamaçaõ, sendo Reclamaçaõ geral dada pela mesma propriedade, que se achar abordo de taes navios Portuguezes, como fica dicto. E outro sim fica ordenado, que a propriedade ultimamente mencionada, assim bem como toda a outra propriedade reclamada debaixo de Reclamaçoens particulares, ja dadas ou que hajaõ de dar-se, e que for pronunciada ser propriedade Portugueza, e pertencer a pessoas residentes em Portugal, á data desta ordem, ficará sugeita as ordens ulteriores de S. Magestade; no emtanto, se entregará á custodia da juncta de Agentes, que seraõ nomeados por parte S. M. e por parte do Ministro Portuguez residente nesta Corte; ou de qualquer Reclamante, e que aquella parte da mesma, que foi sugeita a damnificar-se, ou que por outras razoens se julgue conveniente vender, será vendida pelos sobre dictos Agentes, debaixo de Commissoens que devem ser expedidas pela Alta Corte do Almirantado; e o producto dessas vendas será depositado na dicta Corte."

" E os Muito Honrados Lords Commissarios do Thesouro de S. M. O Principal Secretario de Estado de S. M. os Lords commissarios do Almirantado, e os Juizes da Alta Corte do Almirantado, e das Cortes de Vice Almirantado, deveraõ tomar as medidas necessárias, nesta Conformidade, segundo o que a cada hum delles pertencer.

W. FAWKENER.
O Correio Braziliense também publica a decisão de 4 de maio de 1808. A decisão foi publicada pela The London Gazette, edição 16.145, de 14 a 17 de maio de 1808, página 6811
Na Corte do Palácio da Raynha, aos 4 de Mayo, do 1808,

Presente a Excellentissima Magestade d'El Rey em Conselho.

Sua Magestade por, e com o parecer do seu Conselho Privado, he servido ordenar, e fica por èste ordenado, que todas as Propriedades Portuguezas, agora detidas, e cuja restituiçaõ ainda naõ foi decretada, nem tem direito a serem restituidas, pela ordem de 6 de Janeiro próximo passado, seraõ immediatamente decretadas que sêjam restituidas, sobre as Reclamaçoens dadas, ou que houverem de dar-se pelo Consul Portuguez, ou outra pessoa devidamente authorizada pelo Ministro Portuguez, Residente nesta Corte, ou pelos Agentes (devidamente authorizados) da quelles donos e proprietários, que agora naõ estaõ residentes em Portugal, ou em outros lugares, sugeitos, a influencia e direcçaõ da França, e que a parte desta propriedade, pertencente a pessoas naõ residentes em Portugal, ou em outros lugares sugeitos á influencia e direcçaõ da França, sera para o uso dos donos e proprietários da mesma: e a parte pertencente conjunctamente a pessoas residentes em Portugal, e Pessoas residentes no Brazil, ou em algum dos estabelicimentos, pertencentes á Coroa de Portugal, ou no Reyno Unido, ou em algum outro Paiz em amizade com S. M. se entregará aos donos e proprietários da mesma, que forem residentes como se acaba de dizer, com tanto que se obriguem e dem fiança, por parte dos dictos socios ou comproprietarios, e tal fiança que satisfaça o Ministro Portuguez, de que responderaõ ao Principe Regente de Portugal por aquella parte da dicta propriede mixta, qne pertencer a pessoas residentes em Portugal, ou em outros lugares sugeitos a influencia, e direcçaõ da França: e a parte pertencente a pessoas residentes em Portugal, ou em outros lugares segeitos á influencia, e direcçaõ da França, ficará á futura Disposiçaõ do Principe Regente de Portugal. E he outro sim ordenado, que a Juncta de Agentes a quem foi, ou houver de ser, entregue a propriedade, na conformidade da dicta ordem de 6 de Janeiro passado, será, e he por ésta authorizada, e insinuada a que, depois de se decretar a restituiçaõ da dicta propriedade, proceda a vender, ou toda, ou a quella parte, ou partes da mésma propriedade, que o Ministro Portuguez residente nesta Corte lhes insinuar, por escripto, que he conveniente vender-se; na forma que for mais utíl ás partes interessadas na mesma propriedade: e empregar o producto da quella parte, que for vendida, em Apolices do Governo, debaixo da previa authorizaçaõ, por escripto, do ministro Portuguez; e guardar a mesma, junctamente com a propriedade naõ vendida, tendo-a as ordens, e sugeita as ulteriores Direcçoens do Principe Regente de Portugal, que lhes seraõ intimadas por seu Ministro residente em Londres. E os Muito Honrados Lords Commissarios do Thesouro de S. M. os Principaes Secretários de Estado de S. M. os Lords Commissarios do Almirantado, e o Juiz da Alta Corte do Almirantado, e os Juizes das Cortes de Vice Almirantado, tomem as medidas necessárias; nesta conformidade, segundo o que a cada hum delles pertencer.

STEPHEN COTTRELL.
A continuar em Mercadorias Portuguesas Apresadas pelos Britânicos - II.

Fontes:
Correio Braziliense, nº 1, junho de 1808. Disponível em Brasiliana USP (www.brasiliana.usp.br)
The London Gazette, nºs 16.091, 16.111 e 16.145. Disponível em www.london-gazette.co.uk.