quinta-feira, 29 de março de 2012

Mercadorias Portuguesas Apresadas pelos Britânicos - VI

Paulo Werneck

Apesar de aparentado se encerrar na edição de outubro o tema da devolução das propriedades portuguesas apresadas pelos ingleses, continuou na edição de novembro de 1808, agora sob a forma de uma carta do leitor "Amante da Verdade", que vem defender o embaixador português, bastante criticado pelo jornal.

Veja aqui o início da história.

Vejamos a carta:
Senhor Redactor do Correio Braziliense.

Londres, 9 de Novembro, de 1808.

Se os homens publicos devem ser, na sua opiniaõ, objecto de louvor e de censura dos jornalistas; estes naõ devem escapar ás correcçoens do publico, quando seguirem um partido menos justo. Espero pois que levará a bem que eu faça as minhas observaçoens sobre uma materia, que lhe tem occupado algum tempo; e, se tem em vista a imparcialidade, naõ deixará de fazer publica, esta minha carta, so pelo principio de lhe ser differente em opiniaõ.

Por varias vezes tem o Correio Braziliense tocado a importante materia da detençaõ das propriedades Portuguezas em Inglaterra, e a culpa de tudo isto he sempre imputada directa ou indirectamente ao Ministro de S. A. D. Domingos de Souza Couttinho. Mas a candura pedia, que um homem que tem estudado a fundamento a historia deste negocio, se fizesse cargo de nomear, mais alguem, que nisto haja intervindo. Acaso teve o Ministro de S. A. a culpa destes navios serem tomados? Naõ. Mas neste ponto, nem palavra disse o Correio Braziliense.

Todo o mundo sabe que D. Domingos de Souza Couttinho consultou sobre ésta matéria os negociantes Portuguezes que havia em Londres, convocou os interessados para os ouvir, em huma palavra fez, o que humanamente era possivel fazer para acértar ¿ e com que justiça cala o Correio Braziliense estes factos? De maneira, que por instruido, que o Senhor Redactor esteja nesta matéria, naõ sabe, que possa queixar-se de mais ninguém do que do Ministro. Nestes termos ¿ naõ terei eu direito de conjecturar que o Senhor Redactor erra porque quer ?

Pelos mesmos documentos, que se tem publicado no Correio Braziliense, se vê que o Ministro tem achado muita opposiçaõ aos seus planos; tal he por exemplo uma resposta dos Commissarios, que o Senhor Redactor publicou, sem mostrar, nem de passagem, o mal que estas opposiçoens ao Ministro deviam occasionar nas demoras.

Muitos creraõ, que o Senhor Redactor se porta com ésta parcialidade, por um espirito de vingança, por offensas antigas provindas da familia das pessoas que censura: eu naõ decido a questaõ, antes suspenderei o meu juizo, até ver a soluçaõ, que se serve dar ás minhas objecçoens.

As propriedades detidas naõ podiam seguir o seu destino; porque primeiro, éra duvidoso o ponto de direito se seriam ou naõ boas prezas; e segundo estava o porto de seu destino embaraçado; nem os donos, nem os consignatarios estavam em Inglaterra para tomar conta dos navios, e cargas, em quanto se decidiaõ éstas duvidas; podia o Ministro fazer couza melhor do que diligenciar a nomeaçaõ de uma commissaõ, que, debaixo de sua inspecçaõ, tomasse conta destas propriedades, até a final decizaõ? Eu naõ creio que pudesse haver melhor plano, nem o Senhor Redactor o aponta, posto que accuse o que se seguio. Se assenta que o mal he remediavel, e he culpado, quem lhe naõ dá o remédio, e Senhor Redactor como escriptor publico podia, e devia apontar esse remedio, e lhe ficariam os interessados ainda mais obrigados, do que por censurar as medidas que se adoptáraõ. O menos que posso dizer nesta matéria he, que o Senhor Redactor tem ouvido somente uma das partes, alias lembrar-se-hia também de fazer mençaõ das difficuldades immensas, que o Ministro tinha a encontrar, da multiplicidade de negócios, que sobre elle recahiram, e em fim da boa terminaçaõ deste complicado negocio, que, pela sua mesma confissaõ, teve o melhor fim, que se podia esperar; e que eu em quanto naõ tiver melhores razoens, crerei que foi devido ás representaçoens, e assíduo trabalho do Ministro de S. A. R. Sou, &c.

AMANTE DA VERDADE.

(A resposta no numero seguinte.)
Efetivamente o leitor tocou num ponto bastante sensível, mui superficialmente tocado pelo editor, qual seja o do próprio apresamento dos navios, informando que não sendo da responsabilidade do embaixador, não era da culpa exclusiva de Souza Couttinho os prejuízos dos comerciantes portugueses.

Entretanto, assim como o editor, também o Amante da Verdade mostrou-se parcial a favor dos ingleses, ao admitir a bizantina discussão sobre se os navios seriam ou não boa presa, navios apresados numa esquadra que se dirigia para o Brasil, sob escolta inglesa.

Não ficou claro sobre se haveriam navios apresados antes dessa data, mas, mesmo que houvessem, a ida de Dom João para o Brasil teria posto um ponto final nas dúvidas de quem seria aliado de quem, e no caso seriam sem dúvida navios de um país aliado, que não poderiam ser atacados por navios de guerra da Grã-Bretanha, nem mesmo por corsários, pois as cartas de corso sempre determinam que as boas presas são aquelas de navios do inimigo.

Além disso, as questões subsequentes à decisão de devolver as cargas, qual seja, de decidir a quem entregá-las e como cuidar delas, poderiam ter sido resolvidas na primeira reunião do Conselho Privado, entregando a decisão ao representante diplomático dos donos da carga, o embaixador português, e nomeando oficiais ingleses para cuidarem das cargas e navios, às expensas do Reino Unido, enquanto os respectivos donos não fossem identificados e as cargas entregues.

No frigir dos ovos, ambos protegem os poderosos bretões.

A continuar em Mercadorias Portuguesas Apresadas pelos Britânicos - VII.

Fonte:
Correio Braziliense, nº 6, novembro de 1808. Disponível em Brasiliana USP (www.brasiliana.usp.br)