sexta-feira, 30 de março de 2012

Mercadorias Portuguesas Apresadas pelos Britânicos - VII

Paulo Werneck

Na edição de dezembro parece que o tema da devolução das propriedades portuguesas apresadas pelos ingleses foi finalmente concluído, agora sob a forma da resposta do editor à carta do leitor "Amante da Verdade", que defendeu o embaixador português, acusando o editor de parcialidade.

Veja aqui o início da história.

Vejamos a resposta:
O haver-se inserido (no numero passado, p. 509,) a carta assignada - Amante da Verdade.- He, ao que parece, uma Prova bastante, de que o Correio Braziliense tem por fim referir com imparcialidade as memórias do tempo, e dar todos os dados possíveis ao leitor, para ajuizar das causas dos acontecimentos, e quanto couber na alçada humana, preconizar-lhe as conseqüências.

O naõ se haver respondido aos argumentos daquella carta no mesmo numero; dará a conhecer, que o Correio Braziliense naõ he escripto com o fim de tyrannizar as opinioens, estabelece uma, que lhe parece melhor, mas nem exclue, nem deseja excluir outras: e por tanto naõ só se fez publico aquelle papel; mas naõ se lhe deo resposta, no mesmo numero; para que em um mez de tempo tivessem seus argumentos lugur de produzir, sem contradicçaõ, todo o effeito de convicçaõ de que fossem capazes. Quem assim obra, naõ quer fazer proselytas, nem tomar por supreza os leitores; quer sim descubrir a verdade dos factos para informar delles os presentes, e transmittillos aos vindouros.

O escriptor daquella carta diz (p. 509, linha ult.) que o Redactor naõ disse nem uma palavra sobre a tomada dos navios Portuguezes, e chama a isto falta de candura. Sim que o seria, se nisso se naõ faltasse; mas no numero 1°. vem os despachos officiaes do bloqueio de Lisboa; primeiro fundamento destas tomadias. No N. 3, vem os argumentos, que outras pessoas, mesmo Inglezes, haviam produzido, para mostrar que se naõ deviam ter feito aquellas tomadias; argumentos que naquelle tempo parecêram concludentes ao Redactor, mas que ao depois julgou escusado expender de novo; naõ só porque era repetiçaõ desnecessária, mas porque o Governo Portuguez, que éra nisso o offendido, se havia offensa injusta, se acomodou com o que se havia determinado em Inglaterra. Logo o Correio Braziliense fallou nas tomadias, e deo sobre isso a sua opiniaõ, que he o mais que podia fazer.

O escriptor daquella carta refferindo a consulta de negociantes, que fez o Ministro Portuguez, queixa-se (p. 510, linh. 1 a seg.) que no Correio Braziliense so a este se imputaõ os males; e suppôem mais a carta, que o Redactor, para carregar com toda culpa sobre uma só pessoa, faz que naõ sabe daquelles factos. Primeiramente o Correio naõ omittio o facto da Consulta, pois se acha referido a pa. 112, e o que mais he com a "decidida approvaçaõ" desta medida, se as pessoas nomeádas para constituir o committeé particular possuiam as qualidades necessárias. Em segundo lugar, a approvaçaõ da medida naõ quer dizer, que o homem publico fica ízento da responsabidade. Naõ: com elle he que o havemos, se obra bem elle merece todo o louvor; se obra mal delle nos devemos queixar. Que tem ninguem que o conselheiro, ou por ignorante ou por máo, naõ aconselhasse bem ? ou como pode saber o povo, que o homem publico seguio o que lhe disse o conselheiro, talvez lhe dissessem uma cousa, e elle seguisse outra: em uma palavra o homem publico he o responsavel, e se se admitte que obrou mal, naõ ha que voltar-se para os conselheiros de sua escolha.

Quanto á insinuaçaõ de ser isto vingança contra pessoas daquella familia, como nessa familia naõ ha senaõ um homem a quem isto se possa attribuir, que he o actual Ministro dos Negócios Estrangeiros, no Brazil, êsta insinuaçaõ fica assas refutada, com o que se disse no mesmo N. 6. a favor daquelle Ministro, de quem o Correio Braziliense recordará as faltas, quando ellas apparecerem, com tanta imparcialidade, quanto he o prazer que teve em achar por onde o louvar,

Diz a carta, que a medida da commissaõ éra a melhor, que se podia adoptar. Isso he o que redondamente se nega; muito principalmente tendo nella inspecçaõ, e influencia, um Ministro Diplomatico, que naõ se suppoem saber de materias mercantis, e o que peior he, admittindo-se nessa commissaõ Membros, que, como reclamantes, e procuradores, tinham interesse nas fazendas; em cujos negocios tinham de ser juizes e parte.

Quanto ao Correio Braziliense dever apontar-lhe o remédio: primeiramente a Commissaõ nomeou-se antes de se começar a publicar esta obra; e quando isso naõ fosse, deve o escriptor da carta lembrar-se, que o officio do critico naõ he escrever o livro mas apontar-lhe os erros.

O character desta obra he registrar aqui os factos importantes do tempo, unido-lhe os raciocínios do Compilador, que podem servir para os illustrar: em geral, o jornalista deve ser o censor e naõ o conselheiro intromettido dos homens públicos, que sendo pagos, com rendas, e honras para bem servir o Estado, devem procurar conselheiros sábios, e desinteressados, que os naõ enganem.

As difficuldades immensas, que o Ministro encontrou, naõ sei para que se trazem; porque 2 dos 4 Commissarios foram escolhidos directa ou indirectamenle pelo Ministro, e se a escolha foi má de quem he a culpa ?

He pena que esta causa seja taõ mal defendida, se he taõ justa, como se inculca; as difficuldades, os embarçaos, a muita quantidade de negocios nunca se devem allegar como escusa das acçoens do homem publico; porque, quem naõ pode com o pezo do lugar deixa-o.

Agora uma palavra mais sobre a assignatura. Eu naõ creio que o Sñr. Amante da verdade esteja taõ cego de amores por ella, que faça racionios errados, em conseqüência de sua paixaõ; porque se assim fosse naõ se mascararia com um nome fingido. O Redactor do Correio Braziliense naõ se mette de traz da porta para attirar a pedrada.
Não parece haver outros comentários a serem feitos. O Amante da Verdade poderia ter assinado o próprio nome, como assinala o editor, cujo nome também não aparece escrito nos jornais...

De resto, a carta do leitor e a resposta esclarecem pouco sobre a questão das mercadorias retidas. Foram aqui registradas com o intuito de apresentar ao leitor do Guardamoria uma visão mais completa dos albores da imprensa nacional, em acréscimo às informações sobre a questão específica das vicissitudes dos comerciantes em época de guerra.

The End.

Fonte:
Correio Braziliense, nº 7, dezembro de 1808. Disponível em Brasiliana USP (www.brasiliana.usp.br)