sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Fazendo da Fatura uma Arma

Paulo Werneck
Mercador vendendo drogas medicinais (Dinastia Yuan, sec XIV)
Fonte: http://www.mitchellteachers.org

Sempre tive a impressão de que o comércio entre as nações seria um dos melhores meios de se promover a paz entre os povos, pois empresários e consumidores, interessados e mesmo dependentes das mercadorias importadas ou exportadas, exerceriam sua influência contra as veleidades bélicas de uns e outros.

É claro que por comércio entendo o comércio livre entre países independentes, excluidos todos aqueles praticados sob o tacão da força, como o era o comércio colonial.

Para minha surpresa, os Han (China) incentivavam a expansão do comércio com seus vizinhos, no sentido de tornando-os dependentes e drenando-lhes os recursos, reduzirem assim sua independência econômica e torná-los fracos. A estratégia, como explicitada por um funcionário Han:
Cada grande mercado fronteiriço que estabelecermos deve ser equipado com lojas [...] e todas as lojas devem ter capacidade para atender de 100 a 200 pessoas [...] Os xiongnus assim desejarão nossos produtos e essa será sua fraqueza fatal. 
Escreveu outro:
Uma simples peça de seda chinesa pode ser trocada com os nômades xiongnus por artigos que valem diversas peças de ouro. Por esse meio podemos reduzir os recursos do inimigo. 
Os romanos sentiram isso na pele. Em 22 d.C., o imperador Tibério, falando ao Senado, referindo-se ao consumo da seda chinesa, disse: 
Nossa riqueza é transportada para países estranhos e hostis por causa do uso indiscriminado desses trajes por homens e mulheres, principalmente mulheres. 
Mais tarde, Sêneca, o Moço (4-65), em De Beneficiis, preocupado com a drenagem das riquezas romanas pela desconhecida China, escreveu: 
Essas sedas são importadas a alto custo de nações por nós desconhecidas.
Plínio, o Velho (23-79), em "História Natural", também bateu na mesma tecla: 
Tiram cem milhões de sestércios de nosso império todos os anos - é isso o que nos custam nosso luxo e nossas mulheres.
Essa quantia correspondia a cerca de um oitavo do orçamento romano. Daí, parodiando Foucault que parodiou Clausewitz, posso dizer que "o comércio é a continuação da guerra por outros meios"...

Fonte:
McLAUGHLIN, Raoul. Roma e o Oriente Distante: Rotas Comerciais para as Terras Antigas da Arábia, Índia e China.São Paulo, SP: Rosari, 2012.