quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ainda o fechamento dos portos

Paulo Werneck
Uma questão sempre me intrigou: quem fechou os portos brasileiros, que viriam a ser abertos por D. João VI?

Na História Geral da Civilização Brasileira há a indicação de a legislação proibitiva começou com D. Sebastião, que a 3 de novembro de 1571 teria decretado que ninguém poderia fretar nem carregar mercadorias para o Brasil (e demais partes do Ultramar) sem ser em navios portugueses.

A segunda lei teria sido em 9 de fevereiro de 1591, portanto já no reinado de Felipe I, que teria vedado a ida de barcos estrangeiros, sem licença especial, a ida aos portos de Portugal e seus domínios.

Cita também a de 5 de janeiro de 1605, sob Felipe II, que exigia um passaporte, a ser obtido no Conselho da Índia, para que os navios estrangeiros pudessem vir ao Brasil, seguida por outra de 18 de março, que liquidava o assunto fechanto totalmente os portos brasileiros às embarcações estrangeiras.

Essa última norma está transcrita em “Proibição de Navios Estrangeiros irem ao Brasil”. Quanto às outras, há referências a elas no Volume II da Synopsis Chronologica de Subsidios ainda os mais Raros para a Historia e Estudo Critico da Legislação Portugueza. Na página 164 podemos ler:
Lei, ou Regimento de 3 de Novembro de 1571, de como hão de hir armados os navios que deſtes Reinos navegarem. E quanto aos primeiros 7 §§, vejão-ſe os Alvarás de 17 de Novembro de 1622, e de 25 de Janeiro de 1649. Quanto aos §§ 8. e ſegg. até ao § 14. incluſive, veja-ſe o meſmo Alvará de 25 de Janeiro de 1649. E quanto aos §§ 15. e ſegg. até ao fim, veja-ſe o que determinão, o Alvará de 8 de Fevereiro de 1711, as Leis de 27 de Novembro de 1684, de 16 de Agoſto de 1722, de 20 de Março de 1736, de 16 de Fevereiro de 1740; e os Alvarás de 10 de Setembro de 1765, de 2 de Junho de 1766, de 27 de Junho de 1769, e de 12 de Setembro de 1772.

Foi impreſſa eſta Lei em Lisboa por João de Barreira Impreſſo á cuſta de João de Heſpanha, mercador de livros, anno de 1574.
Na página 255 da mesma obra consta:
Alvará de 9 de Fevereiro de 1591, publicado na Chancellaria mór a 7 de Março do meſmo anno, sobre a navegação dos Eſtrangeiros, e naturaes deſte Reino.

Real Archivo da T. do T., liv. 1 de Leis de 1576 até 1612, fol. 203. verſ.
Quanto à norma de 5 de janeiro de 1605, encontrei-a na íntegra, na Collecção Chronologica da Legislação Portuguesa: 1603-1612, que se refere a outra, algo semelhante, do dia anterior. Segue a transcrição da primeira (p. 103-104):
EU EL-REI Faço saber aos que este Alvará virem, que, por quanto, na Ordem que mandei publicar em 27 do mez de Fevereiro do anno de 1603, se permittia aos naturaes e moradores das Ilhas de Hollanda, e Zellanda, e outras Provincias dos Paizes Baixos, que andam fóra da devida obediencia, que podessem tractar e contractar em meus Reinos, com as condições que na dita Ordem se declaram; e por justas considerações a tenho mandado revogar para com Inglaterra e França; e convém o meu serviço revogal-a tambem para com os ditos desobedientes, e juntamente tirar-lhes de todo ponto o tracto e commercio que houverem tido, e de presente tiverem, com meus Reinos, assim em virtude da dita Ordem, como occultamente, e por meio de outras pessoas:

Hei por bem de revogar, e revogo, e annullo, por este meu Alvará, e dou por nenhuma a dita Ordem, para com os ditos desobedientes - e mando que, desde o dia da publicação delle em diante, durando o tempo que perseverarem em sua desobediencia, não possam tractar, nem contractar, em nenhuma parte, nem porto, de todos meus Reinos e Senhorios de Portugal, por si, nem por interpostas pessoas, directa nem indirectamente, nem vir a elles, nem seus navios, nem mercadorias, sob pena da vida e perdimento de bens, aplicados ametade para minha Fazenda, e a outra para o acusador. E sob a mesma pena mando que nenhuma pessoa, de qualquer estado, qualidade c condição que seja, assim estrangeiro, como natural dos ditos meus Reinos e Senhorios, seja ousado receber, nem admittir em sua casa, nenhum dos ditos desobedientes, nem a seus feitores, fazendas, e mercadorias, nem encobril-os em nenhuma maneira - e que a dita pena se execute irremissivelmente n'aquelles que o contrario fizerem.

E porque, em um capitulo da dita Ordem se declara, que, se em algum tempo convier, ou me parecer, alteral-a, ou revogal-a, se avisará um anno antes, para que os ditos desobedientes se possam recolher, dentro delle, com seus bens, livre e seguramente, e dispôr de suas cousas, e ir-se aonde quiserem, e que os absentes possam assim mesmo dispôr de suas fazendas, dentro do dito anno, sem a isso se lhes pôr impedimento ou embargo algum - é minha mercê que assim se cumpra, e que, para que não possa haver nisso engano, se faça, dentro de quinze dias depois da publicação deste, inventario, por as Justiças, de todas as mercadorias e fazendas, que os ditos desobedientes, ou seus feitores, tiverem, em qualquer parte dos ditos meus Reinos e Senhorios, para que se saiba as que são, e sob côr dellas não possam, directa nem indirectamente, trazer nem metter outras: - e das que assim se inventariarem, hão de dispôr, como melhor lhes estiver, dentro do ditto anno, que se hade contar do dia da publicação deste; com tanto que dos vendas, ou traspasses, que fizerem, das taes mercadorias e fazendas, e das que tirarem dos ditos meus Reinos e Senhorios, sejam obrigados a dar conta ás Justiças, ante quem se houverem feito os ditos inventarios, para se fazerem disso as declarações necessarias , guardando-se esta ordem, até com effeito se consumirem e gastarem as ditas mercadorias — com tal declaração, que o que no dito termo se não destribuir, ou se não tirar fóra dos ditos meus Reinos, será perdido econfiscado para minha Fazenda e Fisco Real, sem remissão alguma , em poder de quaesquer pessoas que se acharem.

Notifico assim aos Védores de minha Fazenda, ao Presidente e Desembargadores do Desembargo do Paço, ao Regedor da Caso da Supplicação, ao Governador da Relação e Casa do Civel, e a todos os mais Desembargadores, Corregedores etc. e lhes mando que cumpram e guardem, e façam inteiramente cumprir e gunrdar, este meu Alvará, como nelle se contém, etc.

Domingos de Medeiros o fez, em Valhadolid, a 4 de Janeiro de 1605. E eu, o Secretario, Fernão de Mattos, o fiz escrever. = REI.

Liv. 2.º de Leis da Torre do Tombo, fol. 79.
 Observe-se que a Collecção Chronologica não transcreveu a citada ordem de 27 de fevereiro de 1603, que deveria estar no início do volume. A seguir a  transcrição do segundo alvará, o do dia 5 (fls 104):
EU EL-REI Faço saber aos que este Alvará virem, que por cumprir muito a meu serviço, e por outros justos respeitos, tirar de todo aos desobedientes das Ilhas de Ollanda e Zellanda, o tracto e commercio entre todos os meus Reinos e Senhorios, mandei ora passar outro meu Alvará, dado em esta minha Cidade c Côrte de Valhadolid, aos 4 dias do mez de Janeiro deste presente anno de 1605, pelo qual mando que, pelo tempo que perseverarem em sua desobediencia, não possam contractar em nenhuma parte nem porto dos meus Reinos e Senhorios de Portugal, por si, nem por interpostas pessoas, directa nem indirectamente, nem vir a elles com seus navios e mercadorias, sob pena da vida, e perdimento de bens, applicados ametade para minha Fazenda e Fisco Real, e a outra ametade para o denunciador, com outras penas e declarações, contheudas no dito Alvará. E para que isto se possa mais cumpridamente executar, e se tire, por todas as vias, aos ditos desobedientes o tracto e commercio nos ditos meus Reinos e Senhorios de Portugal - hei por bem, e mando, que, da publicação deste em diante, os Contractadores de minhas Alfandegas do páo brasil, e quaesquer outros Rendeiros, e pessoas particulares, a quem tenho dado, ou dér, licença para poderem enviar urcas e navios estrangeiros ás partes do Brazil, ou a quaesquer outras ultramarinas das Conquistas do dito Reino, não possam fazer suas viagens, sem primeiro se apresentarem no Conselho da India, e justificarem nelle bastantemente como as urcas e navios, que, em virtude da dita licença, quizerem enviar ás ditas partes, não são das Ilhas desobedientes de Ollanda e Zellanda, nem nellas vão pessoas algumas naturaes dellas: - e constando que não são, darão, antes de sua partida, fiança de dez mil cruzados em dinheiro, pelos quaes se obriguem a ir em direitura ás partes para onde forem fretados, e tornar dellas em direitura aos ditos Reinos de Portugal - para o que levarão Passaporte do dito Conselho da India, assignado por o Presidente e Conselheiros delle - sob pena de todas as pessoas, de qualquer estado e condição que sejam, que o contrario fizerem, e nas ditas urcas e navios carregarem fazendas, sem terem o dito Passaporte, percam todas as que assim carregarem - e os que fretarem as ditas urcas e navios, percam toda a que tiverem, applicada uma e outra, ametade para o meu Fisco Real, e a outra ametade para o accusador - e incorrerão, além disto, em todas as mais penas declaradas em as minhas Leis e Ordenações.

O que tudo mando se cumpra e se execute, tão inteiramente, como neste meu Alvara é declarado, e se contem. - Notifico assim aos Védores de minha Fazenda, ao Presidente e Desembargadores do Desembargo do Paço, etc. e lhes mando que cumpram e guardem, e façam inteiramente cumprir e guardar este meu Alvará, como nelle se contém, etc. Estevão Netto Ferreira o fez, em Valhadolid, a 5 de Janeiro de 1605. E-eu, o Secretario, Fernão de Mattos, o fiz escrever. = REI.

Liv, 2.° de Leis da Torre de Tombo fol. 80. v.
Continua assim a história das aberturas e fechamentos de nossas costas. A buscar as íntegras das normas de 1571 e 1591, a pesquisar as referências feitas nos extratos da Synopis e a perseguir a continuação da novela.

Fontes:

ANDRADE E SILVA, José Justino. Collecção Chronologica da Legislação Portuguesa: 1603-1612. Lisboa: J. J. A. Silva, 1854.

FIGUEIREDO, José Anastácio de. Synopsis Chronologica de Subsidios ainda os mais Raros para a Historia e Estudo Critico da Legislação Portugueza. Tomo II. Desde 1550 até 1603. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1790.

HOLLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo I – A Época Colonial. Volume 2. 10ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.