segunda-feira, 15 de abril de 2013

Princípios Tributários da Igreja Católica

Paulo Werneck

José da Costa Silva (1747-1819): Projeto do Real Erário
Fonte: http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.com.br

António Manuel Hespanha, renomado historiador português, reestabeleceu os princípios tributários defendidos pela Igreja Católica à época do antigo regime. Eram quatro, como podemos ler na transcrição a seguir:
De qualquer modo, novos ou antigos, senhoriais ou régios, os tributos tinham que ser legítimos, sob pena de excomunhão para quem os impusesse e de recusa justificada de pagamento pelos tributados. De facto, a ilicitude dos tributos podia decorrer de quatro circunstâncias, que a teologia moral escolástica tinha arrumado de forma característica, segundo o modelo expositivo das quatro causas aristotélicas. Assim, os tributos (novos) podiam ser ilícitos e levar à excomunhão: i) ex causa eficiente, ou seja, por falta de poder tributário de quem os criou; ii) ex causa finale, por não terem em vista o bem comum; iii) ex causa materiale, se incidem sobre bens de sustento – mas já não sobre mercadorias objeto de comércio; iv) ex causa formale, se não fossem iguais ou proporcionados, sobrecarregando mais os pobres do que os ricos.
Esses princípios permanecem presentes na teoria tributária.

A Constituição brasileira tornou lei a primeira causa, discriminando quem pode ou não estabelecer os tributos.

A segunda causa de certa forma foi esquecida pela teoria, mas está presente nas discussões parlamentares e nas exposições de motivos dos projetos de lei que visam criar novos tributos. Está também subentendida nas classificações dos tributos como fiscais (o bem comum seria financiar o estado) e extrafiscais (o bem comum seria o incentivo ou desestímulo a certas atividades).

A terceira causa está presente, de forma muito atenuada, nas deduções previstas no Imposto de Renda da Pessoa Física, cuja finalidade seria separar o necessário à sobrevivência e reprodução do trabalhador, daquilo que seria efetivamente renda.

É claro que face à voracidade do Estado, em especial na gestão do senhor Everardo Maciel, os bens que a Igreja considerava de sustento foram muito reduzidos, acarretanto a incorporação de milhões de novos contribuintes, antes considerados como isentos pela penúria de seus rendimentos, fato agravado pela não atualização das tabelas em relação à inflação, levando à tributação de parcelas crescentes da população menos favorecida.

Finalmente a quarta causa refere-se ao que hoje se denomina justiça fiscal. A Constituição também bebe nessa fonte ao vedar tratamento desigual entre contribuintes na mesma situação (art. 150, II), ao estabelecer o critério de seletividade da alíquota do IPI e do ICMS em razão da essencialidade do produto (art. 153, § 3º, I e art. 155, § 2º, III), e ao determinar a progressividade do Imposto de Renda (art. 153, § 2º, I).

Na intenção, a Constituição vai mais longe que o prescrito pela Igreja, procurando onerar mais os mais ricos, mas isso na prática não ocorreu, resultando o sistema tributário, como um todo, extremamente regressivo, que onera mais os mais pobres, portanto ameaçando o legislado de excomunhão...

Fontes:
BRASIL. Constituição Federal.
HESPANHA, António Manuel. A Fazenda in MATTOSO, José (org). História de Portugal – O Antigo Regime. p 206. Lisboa: Editorial Estampa, 1993.