sexta-feira, 10 de maio de 2013

Ordenação de 1520 - Corruptos e Corruptores

Paulo Werneck

Fato cuidadosamente esquecido hoje em dia, em que miríades de pós udenistas se lançam babando sangue sobre os adversários políticos, El Rei Dom Manuel sabia que não há corrupto sem o correspondente corruptor. E bate nos dois...

Depois (§§ 24 e 25) volta a disciplinar a movimentação das pessoas, para evitar dar a chance que favorece o ato de contrabando.
Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel
... continuação ...
[23] E porque somos enformado, e certificado, que das nossas náos quando vem da India, se tiram muytas mercadorias, e cousas, antes de serem leuadas aa nossa casa da India contra nossa defesa e regimento, as quaes cousas se se nom achasse quem as comprasse, guardasse, e escondesse, nom aueria quem as quisesse tirar, e por ysso he cousa justa, por ho muito desseruiço, que disso se nos segue, assi auerem graues penas aaquelles, que as sobreditas cousas compram, escondem, e guardã, como os ptoprios que as trazem, e tirão de nossas náos, contra nossas defesas, pelo qual ordenamos, poemos por Ley, e mandamos, que qualquer pessoa, de qualquer qualidade, e condição que seja, que alguma cousa que da India venha, de qualquer sorte que fôr, receber, esconder, ou comprar, ou aa sua mão por qualquer maneira ouuer, antes de assi ser trazida e posta na dita casa da India, posto que aquelle que as taes cousas trouxer, ou uender, tenha licença nossa pera as poder trazer, e sem dellas nos paguar dereito alguũ, encorra em pena de perdimento de toda sua fazenda, assi mouel, como de raiz, e mays seja quatro annos degradado pera os nossos luguares dalem. E o capitam, e mestre de cuja náo, ou nauio se prouar, que algũa cousa se tirou; antes de a tal náo, ou nauio de que fôr capitam, ou mestre, ser ancorado, e pousado diuante a dita cidade, pague; coruem a saber, o capitã anoueado, a valia daquella cousa, ou cousas que se prouar, que assi tirarão da náo, ou nauio, em que vier por capitam, antes de ser assi ancorada, e pousada davante da dita cidade, e ho meste em quatrodobro, e quando hi nom ouuer capitã, e somente ouuer mestre, paguará ho dito mestre anoueado, como o dito capitam.

[24] Item defendemos, e ordenamos, que nenhũa pessoa das que vierem, nas nossas náos, e nauios da India, ou nas dos mercadores, que por nós sejã fretadas, nom sayã em terra em nehũa ylha, a que venham ter, sob pena de perder pelo mesmo feito, todo seu soldo, e ordenado, que de nós haja dauer, e mays toda a fazenda, que na tal náo, ou nauio trouxer, e alem disso, ser degradado dous annos pera os nossos luguares dalém, e açoutado, sendo pessoa, em que a dita pena de açoutes caiba; E somente sahirá hũa pessoa de cada náo, ou nauio, com assignado do capitã, que na tal náo, ou nauio vier, pera este auer todo o que fôr necessario, assi de mantimentos, como de qualquer outra cousa, que necessaria lhe seja, e este quando assi sair, será buscado logo em saindo per o nosso contador, ou corregedor, se na tal ilha esteuer, ou pelo nosso almoxarife, non estando hi contador, nem corregedor, pera se saber, se leva comsiguo algũa cousa e sendo-lhe achada, se proceder contra elle, com ar penas sobreditas. E mandamos aos capitães das ilhas, corregedores, juyzes, e justiças dellas, a que has ditas náos, e nauios da India vierem ter, que prendam, e mandem prender aquelles, que em terra sairem das ditás náos, e nauios, pera seren punidos, segundo forma desta nossa ordenação, resaluando aquelle, que de cada náo, ou nauio sair com aluará de licença do capitam, pera requerer, e auer as cousas, de que teuer necessidade, ho qual aluará a tal pessoa sempre guardará, pera por elle dar conta de sua saida, e se nom proceder contra elle, saluo sendo-lhe achado algũa cousa, como dito he. E nom ho comprindo assi os ditos capitães, juyzes, e justiças, mandamos que carregue sobre elles qualquer culpa, em que forem achados os sobreditos que assi sairem em terra contra esta nossa defesa, e mays pague cada hum trezentos cruzados.

[25] Item defendemos, e mandamos a qualquer capitam, ou mestre de náo, ou nauio da india, que assi aas ditas ylhas vier, que nom estes ahí mais tempo, que até tomarem os mantimentos, e qualquer outra cousa que necessaria lhe seja, pera sua viagem, nom passando porém a dita estada mais de tres dias, saluo tendo necessidade tal, que nom possam al fazer, nem posto que traguam mandado do capitam moor, que trouxer a frota pera ho auerem hi de esperar, nem tambem por acharem nouas, que andã cossarios na costa, ou em outra qualquer paragem do caminho, que ouuerem de fazer das ditas ylhas, pera estes reynos, porque sem embarguo de todo, queremos, e mandamos, que siguã sua rota, e façam seu caminho pera Lysboa, ho mays em breue que poderem, e quem o contrairo fezer, perderá todo o seu ordenado da viagem. E sendo pela ventura pessoa, que nom aja dauer soldo na viagem, nem ordenado, e que esteuesse na india, e sómente viesse no tal náo, ou nauio por capitam, ou delle trouxesse ho principal carreguo, sem ordenado alguũ, perderá pera nós todo o soldo, e ordenado de hum anno, de tempo que esteue na india. E mandamos ao escriuão de tal náo, ou nauio, que faça assenso em seu liuro dos dias que esteue na dita ilha, e se mays se deteuerem, que os ditos tres dias, que mandamos que estem, ha causa porque, pera ho sabermos, e se proceder contra hos culpados, segundo forma desta nossa ordenação.
... a continuar ...
Fontes:
CAMINHA, Antonio Lourenço. Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Impressão Régia, 1807.

Veja também:
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