domingo, 5 de maio de 2013

Ordenação de 1520 - Vedação ao Comércio dos Servidores

Paulo Werneck

Continuando com o texto das "Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel", podemos observar o detalhe com que é expressa e detalhada não apenas a vedação para que os servidores do Reino comerciem em seu próprio nome, mesmo coisas pequenas, como Benjoim (§ 8º), para que em nome do Rei utilizem procedimentos comerciais arriscados, como vender fiado as mercadorias reais (§ 9º), veda até mesmo o comércio de mantimentos, já não está a ser referir aos bens realmente de valor, como as especiarias (§ 10), deixando claro a vedação de comerciais cavalos (§ 11) e muito menos escravos (§ 12).
Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel
... continuação ...
[08] Item defendemos, e mandamos, que ninhuũ nosso feitor, nem escriuam de feitoria, nem ninhuũ outro nosso official, que receba e despenda nossa fazenda, nem pessoa que com elle serua, nem capitam nosso, nem ninhũa outra pessoa de qualquer qualidade, e sorte que seja; nom compre soldo, nem desembarguo nosso, ou do nosso capitam moor, ou veedor da nossa fazenda, nem quintalada, de que tenhamos feito mercê a algũa pessoa, nem caixa, nem liberdade algũaa de qualquer cousa, ou cousas que tenhamos dada a alguma pessoa, para poder trazer pera estes reynos, ou a nauegar pera algũa parte, nem assi mesmo luguar pera poder trazer Beijoim pera estes reynos, nem outra algũa cousa, que per nossa licença possa trazer, sob pena de pelo mesmo caso, sendo-lhe prouado, perder toda sua fazenda. E sendo nosso official, ser além desto degradado por seus annos pera a ylha de Santomé, e perderem seus officios, sem mays hos seruirem, posto que ainda tenhão alguũ tempo pera seruir. Nem ysso mesmo paguem os sobreditos ninhuũ nosso desembarguo, nem mandado do nosso capitam moor, nem do veedor de nossa fazenda, porque ajão de fazer algũu paguamento, nem qualquer outra pagua, que de nossa fazenda aja de fazer por qualquer maneira que seja em cobre, nem em ninhũas outras mercadorias, das que vão de caa do reino, pera o cabedal do trauto, sob pena que se o contrairo fezer, e lhe fôr prouado, paguar anouiado a valia, do que assi em qualquer mercadoria paguar, e mays perder todo o ordenado de seu officio.

[09] E defendemos assi mesmo a todos os nossos feitores de nossas feitorias, que nom dem minhũas mercadorias fiadas, a ninhuũs mercadores com que contractarem, comprarem, ou venderem mercadorias pera nós, saluo quando pelo nosso veedor da fazenda lhe fôr mandado, e com seus assinados, sob pena de perdimento de seus officios, sem mays nos seruirem, e de todos seus ordenados, que com elles touerem.

[10] Item defendemos, e mandamos, que ninhuũ nosso capitam de fortaleza das ditas partes, nem alcaide moor, feitor, e escrivães de feitorias, nem ninhuũ outro official de nossa fazenda, nom comprem por si, nem por antreposta pessoa, ninhuũs mantimentos nem ninhũas outras mercadorias, de qualquer sorte, e qualidade que sejam, nos luguares onde esteuerem, pera reuender, nem ysso mesmo mandem trazer de fóra as sobreditas cousas, pera as venderem nos sobreditos luguares, resaluando que sómente poderam comprar dos ditos mantimentos, e mercadorias aquello que fôr pera sua pessoa, ou casa, sob pena, que qualquer dos sobreditos que o contrairo fezer, encorra em pena de perdimento de toda sua fazenda.

[11] Item defendemos, e mandamos, que ninhuũ capitam da nossa cidade de Guoa, nem da nossa cidade Dormuz, nem quaesquer outros capitães, ou pessoas de qualquer qualidade, e condição que sejam, que portuguezes forem, não possam trautar em cavallos, saluo dentro na nossa cidade de Guoa, porque nella hos poderam comprar da mão dos mercadores que hos trouxerem, e hi hos tornar a reuender, ou tirar por terra, por onde lhe aprouuer, paguando nossos dereitos ordenados, sob pena que qualquer que o contrairo fezer, paguar a valia dos caualos em tresdobro, e mays perder seu ordenado, por cada vez que tal fezer.

[12] Item defendemos, e mandamos, que nas nossas náos, nem de mercadores que vierem da india pera estes reynos, com a carregua das especiairias, possa ninhũa pessoa trazer, nem tragua ninhuũs escrauos machos, nem femeas, posto que prouisam tenha do nosso capitam moor, nem do veedor da fazenda, sob pena de quem ho contrairo fezer, hos perca anoueados, ametade pera a nossa camara, e a outra pera nossos cativos. E hos que em náos de mercadores vierem, será ametade para elles, e a outra metade pera os cativos. E porem os mercadores, e armadores, que por nossa licença enuiarem aas ditas partes suas náos, poderão trazer nellas, como mercadoria, quaesquer escrauos machos, que quizerem, porem nom poderão dar luguar a ninhũas pessoas, pera nas ditas suas náos os trazerem, sob a dita pena, na qual elles ditos mercadores, que a dita licença derem, encorrerão além da pena, em que encorrerem as proprias partes, e neste caso será a dita pena, pera a nossa camara ametade, e pera hos cativos a outra metade, sem elles mercadores della auerem parte algũa.
... a continuar ...
Fontes:
CAMINHA, Antonio Lourenço. Ordenações da India do Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Impressão Régia, 1807.

Veja também:
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