domingo, 27 de outubro de 2013

Salvados de Naufrágio

Paulo Werneck

Ivan Konstantinovich Aivazovsky (1817-1900): A Nona Onda
Fonte: Wiki

Já no reinado de dom Afonso II, terceiro rei de Portugal, houve medidas para proteger a navegação. Trata-se da Lei, ou Constituição, de número 3, estabelecida nas Cortes de Coimbra, em 1249 da Era de Cesar, ou 1211 do calendário Cristão.

Essas teriam sido as primeiras Cortes do Reino, ou talvez as segundas, se tiverem existido as Cortes de Lamego, que teriam sido convocadas por Dom Afonso Henriques (Afonso I, primeiro rei de Portugal), cuja existência é duvidosa, das Cortes, não do fundador do Reino.

Essa norma se encontra registrada na Ordenações de Dom Duarte:
Constituição III
¶ Constitucom terçeira per que el Rej defende que nẽhuum tome cousa dos aueres que se perderem no mar per caJom ou per tormentaPorque a llej nom deue seer caJon de dano a nẽhuum. ¶ Porende estabellecemos que se alguuns nauyos em nosos Regnos piriguarem no mar quer seiam do noso Regno quer d'alhur E per tormenta quebrarem ou deitarem algũa cousa no mar E per força desa tormenta ou per caJom esas cousas aportarem aa rriba ou em alguum porto. Mandamos que nosos oueencaaes almoxarifes nem outros alguuns que o noso auer teuerem ou ouuerem de ueer por nos os nosos dereitos nunca lhes Rem tomem nem peçam ¶ Mas todas esas cousas se tornem a seus donos cuJas forom E aJan-nas em paz asi que nẽhuum nom lhes enbarguem nem Retenham nẽhũa cousa. ¶ Que seeria gram torto se os atormentados fosem doutra guisa agrauados dar-lhes homem outro tormento ¶ E se alguum contra esto que nos estabellecemos quiser hir rreteendo-lhe o seu ou leuando dos dauanditos algũa cousa feita primeiramente conprida entregua das cousas que lhe filharem ou perderem perca quanto ouuer.
Também é citada por João Pedro Ribeiro, tendo como fontes o "Codice de Leis Antigas no R. Archivo, ou L.º A. da Camara do Porto" (L. A.) e a "Ordenação Alfonsina" (A.):
Reinado do Senhor D. Affonso II
Era 1249 (An. 1211)
Leis feitas nas Cortes de Coimbra, em que o mesmo Snr.
.....
3.ª Que não se levasse cousa alguma dos naufragios.
L. A. Ibid. col. 2. A. Liv. 2. tit. 32.
.....
Algumas palavras estão em completo desuso. Cajom pode significar acontecimento, motivo, perda, desastre; ovençal era o despenseiro, quem tinha à seu cargo os mantimentos de uma casa ou corporação, rem significava coisa alguma. Uma atualização possível seria:
Lei nº 3
Pela qual el Rei proibe que alguém tome algo dos haveres que se perderem no mar por desastre ou por tormenta.
Porque a lei não deve ser motivo de dano a ninguem, estabelecemos que se algum navio em nossos Reinos perigar no mar quer seja do nosso Reino quer de alhures, e por tormenta quebrar ou deitar alguma coisa ao mar, e por força dessa tormenta ou por desastre essas coisas aportarem à margem ou em algum porto, mandamos que nossos despenseiros almoxarifes nem outro que o nosso haver guardarem ou houverem de zelar por nós os nossos direitos nunca lhes tomem nem peçam coisa alguma. Mas todas essas coisas retornem a seus donos de quem foram. E as tenham em paz assim que ninguem lhes embarguem nem retenham nenhuma coisa.  Que seria muito errado se os atormentados fossem de outro modo agravados por lhes dar o homem outro tormento. E se alguem contra isso que estabelecemos quiser agir, retendo-lhe o seu ou levando dos ditos alguma coisa, seja feita primeiramente a completa entrega das coisas que lhe tirarem ou perca quanto possuir.

Por essa lei então ficam garantidos os salvados aos seus legítimos donos, primeiro porque o Rei proíbe que algum servidor real interprete alguma norma e queira cobrar algum tributo, e finalmente porque veda que qualquer do povo se aproprie do que encontrar.

Ver também:
Salvados do Naufrágio II, com a versão desta lei publicada no Livro das Leis e Posturas.

Fontes:
PORTUGAL. Ordenações del-Rei Dom Duarte. Pag. 71. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.
RIBEIRO, João Pedro. Additamentos e Retoques á Synopse Chronologica. Pag. 1. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1829.
VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de. Elucidario das Palavras, Termos e Frases que em Portugal Antigamente se Usaram. Vol. 1. Pag. 156. Vol. 2. Pag. 131, 189, 192. Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 1865.