sábado, 9 de novembro de 2013

Contratação da Alfândega da Bahia

Paulo Werneck

João Teixeira Albernaz, o Velho:
Planta da cidade de Salvador do atlas Estado do Brasil (1631)
Fonte: Wiki

Sabe-se que era usual a contratação de repartições fiscais, isto é, a licitação do direito de as explorar, pagando o vencedor da licitação uma quantia certa à Fazenda Real.

Pode parecer absurda hoje em dia, mas fazia sentido. O Rei obtinha a garantia de receber rendas certas, e não precisava fiscalizar repartições distantes, numa época em que as informações eram transportadas por veleiros que só viajavam em épocas propícias, seja em razão dos ventos ou das correntes marítimas.

Para o contratador o lucro, se houvesse, decorreria da diferença entre o que arrecadasse e o que tivesse de pagar à Corôa. Era um contrato de risco.

Mas como era esse contrato, afinal? Aqui está o contrato firmado entre a Coroa e José de Amorim Lisboa referente à arrecadação da Alfândega da Bahia (entenda-se de Salvador) por seis anos, de 1754 a 1759.
Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos cincoenta e tres, aos vinte e nove dias do mes de Outubro do dito anno nesta Côrte, e Cidade de Lisboa nos Paços de Sua Magestade, e Casa em que se faz o Conselho Ultramarino, estando presente o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva, Presidente, e os Senhores Conselheiros do dito Conselho, com o Procurador da Fazenda delle o Desembargador Gonçalo José da Silveira Preto, appareceo José do Amorim Lisboa, pelo qual foi dito fazia lanço (como com effeito fez) no Contracto dos Direitos da Dizima da Alfandega da Bahia por tempo de seis annos, que principiarão no primeiro de Janeiro de mil setecentos cincoenta e quatro, e hão de acabar no ultimo de Dezembro de mil setecentos cincoenta e nove, em preço todos os ditos seis annos de hum milhão duzentos e trinta e hum mil cruzados, e quinze mil réis, livre todo este preço para a Fazenda de Sua Magestade, repartido pelos ditos seis annos, com a condição, com que o dito Senhor mandou novamente rematar este Contracto, de não se permittirem Frotas certas, e com as mais condições neste expressadas. E para esta arrematação precederão Editaes, e as mais Solemnidades, que dispõe o Regimento, e se lhe declararão os Decretos de Sua Magestade sobre os conluios, e companheiros, e deu por fiador á Decima a Joaquim José Vermuele, e tambem mostrou ter-se carregado em lembrança ao Thesoureiro da Obra Pia o preço deste Contracto, para delle pagar o que dever. E por Resolução de Sua Magestade de 30 de Janeiro, e 27 de Março do presente anno, tomadas em Consulta deste Conselho, deo elle Contractador nesta Côrte as fianças necessarias a este Contracto, sem embargo do que será tambem obrigado a dar fiança á falencia, que pode haver a cada quartel na Bahia.

I. Que este Contracto hade durar por tempo de seis annos, que hão de ter principio de Janeiro de mil setecentos cincoenta e quatro, e a elle ficão pertencendo os Direitos de todos os Navios, que no decurso dos ditos seis annos derem entrada na dita Alfandega, ou vão em corpo de Frota, ou soltos, sem Condição alguma de Frotas certas, e sem se prometer a elle Contractador numero certo dellas, nem mais que as que com effeito entrarem no referido tempo, como tambem os Navios soltos, que dentro dos ditos seis annos derem entrada na dita Alfandega, observando-se no despacho, e pagamento da dita Dizima o disposto no Foral, e ordens, que se mandarão guardar, tanto na descarga, coma no despacho, liberdades, e penas impostas sendo Executor dellas o Provedor da Alfandega, e das suas determinações dará appellação, e aggravo para o Juiz dos Feitos da Fazenda da Relação da Bahia.

II. Que ao Thesoureiro da Alfandega se fará receita de todo o preço do Contracto para delle dar conta, e será Executor da sua receita na mesma fórma, e não entregará ao Contractador dinheiro algum do dito Contracto, senão depois de findo o tempo deste Contracto, e satisfeita a Fazenda Real, como obrigação de fazer elle Contractador á sua custa todas as despesas deste Contracto.

III. Que as pessoas que assignarem os Despachos serão approvadas pelo Thesoureiro, o qual ha de receber todo o rendimento da Alfandega e no fim de cada hum anno se ajustará a conta com o Thesoureiro; e no caso que o rendimento da Alfandega não cubra o preço do arrendamento, se dará balanço á Fazenda, que se achar na Alfandega por despachar, e se não fará execução a elle Contractador pelo que importarem os Direitos dessa Fazenda recolhida na Alfandega, o que se entenderá somente nos primeiros dois annos, porque no ultimo de cada triennio será logo executado pelo que dever liquidamente; porém achando-se no fim de cada anno, que o rendimento da Dizima e os Direitos das fazendas que se acharern por despachar na Alfandega não chegão ao que o Contractador dever lhe fará execução pelo resto, procedendo contra o mesmo Contractador na fórma disposta na Ordenação liv. 2 tit. 63, e Regimento da Fazenda, e das suas sentenças, e procedimento sómente admittirá appellação, e aggravo para os Juizes dos Feitos da Fazenda da Casa da Supplicação.

IV. Que elle Contractador gosará de todos os privilegios, que lhe são concedidos pela Ordenação do Reino, Regimento da Fazenda, que por outras Leis, e Decretos, não estiverem derogados, dando-se-lhe pelo Vice-Rei, Capitão General, ou Governadores toda a ajuda, e favor que for licito, e justo para a cobrança das suas dividas, durante os seis annos do seu Contracto.

V. Que todas as despezas, que se fizerem a bem da arrecadação do Direito da Dizima serão á custa delle Contractador, e do preço do Contracto somente se abaterão os ordenados dos Officiaes nomeados por Sua Magestade, que servirem com Cartas, Alvarás, ou Provisões suas; e não poderá o mesmo Contractador alegar perdas, nem usar de incampações algumas, ainda nos casos que o Regimento da Fazenda as admitte, nem pedir quitas por casos alguns fortuitos, ou sejão solitos, ou insolitos, e contra o estipulado nesta Condição se não admittirá interpretação alguma.

VI. Que além das sobreditas condições será elle Contractador obrigado a pagar as propinas Costumadas.

E sendo visto pelo Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Marquez de Penalva, Presidente, e pellos Senhores Conselheiros do Conselho Ultramarino, presente o Procurador da Fazenda delle, o conteúdo neste Contracto, condições, e obrigações delle, o houverão por bom, e se obrigarão em nome de Sua Magestade a lhe dar inteiro cumprimento; e o dito José de Amorim Lisboa, que presente estava disse o aceitava, e se obrigava a cumprir inteiramente o dito Contracto na forma do seu lanço com todas as clausulas, condições, e obrigações nelle declaradas; e que não o cumprindo elle em parte, ou em todo pagaria, e satisfaria todas as perdas, e damnos, que a Fazenda de Sua Magestade receber por todos os seus bens, assim moveis, como de raiz, havidos e por haver, os quaes para isso obrigava. E por firmeza de tudo mandarão fazer este Contracto no livro delles, em que todos assignarão com o dito José de Amorim Lisboa, de que se lhe deo huma copia assignada pelos Senhores Desembargadores Alexandre Mettelo de Sousa e Menezes, e Rafael Pires Pardinho, Conselheiros do dito Conselho Ultramarino. Antonio de Cobellos Pereira Official Maior da Secretaria do dito Conselho, o fez em Lisboa a 23 de Abril de 1754. - O Secretario Joaquim Miguel Lopes da Lavre o fez escrever, e assignou o Conselheiro Thomé Joaquim da Costa Côrte Real. - Rafael Pires Pardinho. - Thomé Joaquim da Costa Côrte Real.
O contrato, após devidamente feito pelo Conselho Ultramarino, foi à sanção de sua majestade, no caso o Rei D. José I, o Reformador, que firmou um alvará nesse sentido.
Eu ElRei Faço saber aos que este Meu Alvará virem, que sendo-Me presente o Contracto atras escripto, que se fez no Meu Conselho Ultramarino com José de Amorim Lisboa, do rendimento dos Direitos da Dizima da Alfandega da Bahia por tempo de seis annos, que começarão no primeiro de Janeiro deste anno de mil setecentos cincoenta e quatro, e hão de acabar no ultimo de Dezembro de mil setecentos cincoenta e nove em preço todos os ditos seis annos de hum milhão duzentos e trinta e hum mil cruzados, e quinze mil réis, livre todo o dito preço para a Minha Real Fazenda, com as condições, e obrigações expressadas no dito Contracto, em que se lhe não concede alguma de Frotas certas: Hei por bem approvar, e ratificar o mesmo Contracto na Pessoa do dito José de Amorim Lisboa, o Mando se cumpra, e guarde inteiramente como nelle, e em cada huma das suas condições se contém, por este Alvará, que valerá como Carta, e não passará pela Chancellaria, sem embargo da Ordenação do liv. 2. tit. 39. e 40, em contrario. Lisboa 23 de Abril de 1754. - REI. - Marquez de Penalva, P.

Reg. a fol. 31 no Liv 3º de Contractos da Secr. do Cons. Ultramarino, e Impr. com as condições na Off. de Miguel M. da Costa.
Fonte:
SILVA, Antonio Delgado. Supplemento à Colleção de Legislação Portugueza do Desembargador Antonio Delgado da Silva. 1750 a 1762. Páginas 296 a 298. Lisboa: Typographia de Luiz Correa da Cunha, 1842.