domingo, 23 de março de 2014

Furto e Falsificação

Paulo Werneck

Moedeiros (aprox. 1555)
Fonte: www.ntnu.no

João Pedro Ribeiro, nos aditamentos à sua Sinopse, registrou a punição ao crime de falsificação de moedas, ouro e prata.
Reinado do Senhor D. Affonso II
Era 1229 (An. 1211)
Leis feitas nas Cortes de Coimbra, em que o mesmo Snr.
.....
23ª Que fossem punidos os que fazem moeda falsa; ou falsificão ouro, ou prata.

L. A. f. 3. v. col. 1. no fim da Lei antecedente.
N. B. A mesma Lei por diverso theor se acha a f. 36. col. 2. in medio.
A. Liv. 5. tit. 5. .....
onde "L. A." era abreviação "Codice de Leis Antigas no R. Archivo, ou L.º A. da Camara do Porto" e "A." abreviação de de "Ordenação Alfonsina".

Essa lei foi registrada nas Ordenações de Dom Duarte, como registrado na postagem Punição aos Falsários, assim como no Livro das Leis e Posturas:

Estas som as leys e as posturas que fez o muy nobre Rey Dom afonsso de Portugal e mandou aos Reys que ueesem depos el que as guardassem.
.....
Constituição XXIV

Stabeleçjmento contra os oueeçaes dElRey que fazem em eles torto
Penssamos prol do nosso Reyno en nossa ssaude Porem estabeleçemos que nenhũu quo nosso oueençal seia come Reposteyro ou porteyro. e hicham. e escamçam. e çaquiteyro. çeuadeyro. estrabeyro. alffayate. ou outro qualquer que em no nosso Reyno de nos teuer algũa cousa oueençal pera fazerem nossas despesas. ou guardar os nossos panos pera dezima los ou dar nossas terras a Renda ou alquequer ou der nosso pam ou nosso vjnho a uender Se o acharem que algũa destas cousas furtar ou negar e lho poderem prouar ssayra com dano assy como a nos semelhar E atangaten os com coReas cruas qua chamam açoutes e assijnem nos com feRo e leyxem nos hir por malditos. ssaluo se for filho dalgo o qual se o fezer e o çerto acharmos perdera quanto de nos teuer. e ssanar nos ha o dano que nos fez ¶ E outrossy Julgamos que tal aiam aqueles que de mãao de nossos oueençaaes andassem se os achassem que eles furtarom on fezerom engano ¶ E noutra parte estabeleçemos que o nosso oueençal ou servjçal nom enpreste nosso pam nem dele faça escanbho nem atenda por ele ao nosso deujdor sem nosso mandado E quem contra esto quiser hir manda lo emos açoutar mui per toda a ujla e coReger nos quatro tanto dano que nos Reçebermos ¶ E nosso moedeyro ou outro que faça moeda ou a fezer talhem lhi os pees e as mãaos e perça quanto ouuer ¶ E esto meesmo estabeleçemos dos ouriuezes que sse trabalharem de falssar ouro ou prata e mesturarem lhi algũa cousa ou doutra guisa.
Note-se a problemática da numeração: Ribeiro e as Ordenações de Dom Duarte a numeram como vigésima terceira constituição, enquanto o Livro de Leis e Posturas a registra como vigésima quarta.

Essa norma apresenta uma verdadeira lista de cargos desaparecidos. Porteiro já foi visto em outra postagem.

Segundo Viterbo, escanção (escamçam) era "o que deitava vinho na copa e o offerecia ao Principe"; cevadeiro (çeuadeyro) era o "fidalgo por cuja conta corria toda a cevada, que se gastava na cavalhariça real'; eichão (hicham), aquele cujo oficio "consistia em apromptar a tempo, e horas tudo o que pertencia à ucharia real, como peixes, carnes, pão, frutas, doces, etc", e ovençal (oueençal) quem tinha a seu cargo os mantimentos, despensas e cozinhas.

Recorrendo a Bluteau, confirmamos que alfaiate (alffayate), era o "official, que corta, ou faz veſtido"; estribeiro (estrabeyro), "o que tem a ſeu cargo a a Eſtrebaria, & os cavallhos della"; reposteiro (reposteyro) o "official, que tem a seu cargo o reposte, ou o fato guardado nelle, e que adorna as casas, e as mezas reais dos móveis pertencentes", onde "reposte" era "casa de guardar móveis", donde reposteiro era quem respondia pelos móveis e roupas do rei; e saquiteiro (çaquiteyro) quem tinha a seu cargo a saquetaria, ou seja, o lugar onde se depositava o pão cozido na Casa Real. 

A norma tipifica e penaliza furtos da propriedade real pelos próprios servidores, assim como furto do "valor" da moeda real e dos metais preciosos, pelos moedeiros e ourives.

Esses crimes são todos de mão própria, ou seja, só podem ser cometidos pelas pessoas que exercem cargos reais, e pelos ourives, que embora não detennham cargos, exercem uma profissão. Se um ladrão entrar no palácio e furtar algo, não estará compreendido nessa norma, pois não é servidor do rei.

Fontes:

BLUTEAU, Rafael. Vocabulario Portuguez e Latino. 8 volumes e dois suplementos. Lisboa: diversos impressores, 1712 a 1727 (dependendo do volume).

PORTUGAL. Livro das Leis e Posturas. Leitura paleográfica de Maria Teresa Campos Rodrigues. Pag. 18. Lisboa: Universidade de Lisboa. Faculdade de Direito, 1971.

PORTUGAL. Ordenações del-Rei Dom Duarte. Pag. 52. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988.

RIBEIRO, João Pedro. Additamentos e Retoques á Synopse Chronologica. Pag. 4. Lisboa: Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1829.

VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de. Elucidário das Palavras, Termos e Frase Antiquadas da Língua Portuguesa. Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 1867.