domingo, 11 de janeiro de 2015

Primeiro Tratado Anglo-Português II

Paulo Werneck

Como quem não tem cão caça com gato, e tendo em vista o quase total desconhecimento de Latim pelo autor deste Guardamoria (o estudo está progredindo, mas leva tempo), está transcrito abaixo o extrato que o Visconde de Santarém fez do tratado, procedimento esse que será adotado quanto ao segundo tratado e aos dois tratados ditos de Windsor.
An. 1373 Junho 16: Londres.

Tratado de paz, amizade e alliança entre ElRei D. Fernando de Portugal e Duarte III Rei d'Inglaterra, sendo Embaixadores e Plenipotenciários de Portugal João Fernandes Andeiro e Vasco Domingues, e d'Inglaterra Guilherme, Senhor de Latymer, e Thomaz o Joven.

Principia este acto: «A todos os que o presente virem nós Procuradores e negociadores do mui illustre Principe, etc. Duarte pela graça de Deos Rei d'Inglaterra e de França, etc., e o illustre e magnifico Principe o Senhor D. Fernando, Rei de Portugal e do Algarve, e a muito illustre Rainha D. Leonor, sua esposa, e nós Embaixadores e Procuradores e Enviados especiaes, a saber: o Nobre militar João Fernandes, e o Reverendo Senhor Vasco Domingues, chantre de Braga, tendo formado as allianças, e confederações e Tratados de paz e amizade entre o Rei de Portugal e a Rainha, e ElRei D. João de Castella, e o chefe da Legião de Lencastre, filho do dito Rei d'Inglaterra, em consequencia dos laços de parentesco, e das antigas allianças entre elles e seus progenitores, tanto pela consideração da pessoa do dito Rei, como pelos direitos de seus filhos, e como o dito Rei de Portugal tem tido de todo o tempo a peito o evitar os ataques de seus inimigos, e desmanchar as maquinações ou projectos contra elle Rei d'Inglaterra, e contra seu filho primogenito Duarte, Principe de Galles e seus outros filhos, com os quaes os ditos Reis de Portugal tinhão contractado em outro tempo allianças, assim como com a Corôa d'Inglaterra, celebrando contractos de confederação e Pactos de amor contra todos os inimigos de qualquer estado ou condição que fossem, em consequencia do que os ditos Embaixadores Portuguezes não só exposerão isto de viva voz em nome do seu Soberano, mas apresentárão os ditos Tratados revestidos do sello real d'ElRei e da Rainha, e bem assim o poder dos mesmos Principes para ajustarem e renovarem as ditas allianças, e para ajustarem a estes novos artigos com outros pactos e convenções que se julgassem convir a cada um dos ditos Reinos, alliados e vassallos delles, e para jurarem cada uma das ditas convenções.

Em virtude do que jurão em nome d'ElRei seu Senhor e de seus herdeiros e successores, e de seus vassallos, que serão observadas e guardadas inviolavelmente para sempre as ditas confederações e allianças entre ElRei de Portugal e ElRei Duarte d'Inglaterra e seus respectivos Reinos, os quaes serão perpetuamente amigos fieis de seus amigos, e inimigos de seus inimigos.

1.º Que os ditos Reinos se ajudarão e se sustentarão tanto por terra como por mar, e defenderão a sua honra, e os seus direitos e interesses, e seus amigos oppondo-se áquelles que contra elles maquinarem, revelando e descobrindo taes tramas, e communicando-as immediatamente por cartas, ou por um mensageiro, ou pelo melhor meio que se offerecer:

2.º Pelo mesmo teor nenhuma das duas partes (contractantes) poderá ligar-se nem contractar amizade e alliança com os inimigos, rivaes, e perseguidores da outra, ou que lhe tiver causado prejuizo ou damno, nem os poderá receber ou acolher nos seus Reinos, dominios, provincias, nem consentir que elles ali se reforcem, sustentem ou residão publicamente, ou ás occultas, ou seja como desterrados ou fugitivos por qualquer motivo que seja tanto do presente como do futuro, devendo ser expulsados do Reino e dominios de um ou de outro, e no caso que taes fugitivos ou desterrados o tenhão sido por causa de crime de Leza Magestade, e como taes condemnados, como traidores ao Rei e ao Reino, para evitar discordias e outros males, por isso deverão taes individuos ser reputados como inimigos e perseguidores. Neste caso uma das partes poderá requerer á outra de os expulsar, banir ou desterrar de seus Reinos e dominios.

3.º Do mesmo modo se acontecer que um dos dois Reinos e seus dominios seja opprimido, offendido, ou invadido por terra ou por mar pelos inimigos, ou pelos seus rivaes, ou que estes entreprendão de os offender ou de os invadir, a outra parte contractante ou seus successores deverá prestar-lhe todo o auxilio, e soccorro d'armas e de soldados, de navios e petrechos e armamentos de guerra. A parte a quem se fizer tal requisição por cartas ou por Enviados, poderá dar taes auxilios contra estas invasões, em outras terras e dominios ou logares contra os inimigos invasores de qualquer estado, dignidade ou condição que sejão. A dita parte contractante será obrigada neste caso a dar um soccorro d'armas e d'archeiros, de navios e de galés próprias para a guerra conforme for necessário, e o Reino enviará quatro militares (Generaes?) escolhidos, ou outras gentes fieis e hábeis, a saber: dois de cada uma das partes. Estes militares deverão ser da mesma qualidade e condição, que tenhão valor e hajão praticado acções gloriosas na guerra; devendo taes soccorros ser promptamente enviados.

4.º Pelo mesmo teor ElRei d'Inglaterra abraçado com ternura e amor com os ditos Reis de Portugal, e a Rainha D. Leonor sua esposa, e não obstante as presentes necessidades do seu Reino mandará d'Inglaterra um grande numero de soldados, a saber: 600 homens d'armas e 80 besteiros para auxilio e defesa do Rei e Rainha de Portugal afim de combaterem e resistirem com todas as suas forças ás invasões hostis e tyranicas d'Henrique o Bastardo, sétimo Rei de Castella e de Leão, que injustamente se intitulava Pertendente á Corôa de Portugal. Finalmente conclue-se este Tratado regulando a maneira do pagamento das tropas auxiliares.

Em virtude do que e para que taes ajustes e obrigações sejão cumpridas, elles Procuradores promettem lealmente e em nome d'ElRei d'Inglaterra, pondo a mão sobre os Santos Evangelhos, e jurão as ditas allianças e confederações em todos os seus artigos e de as fazer inviolavelmente guardar e observar.
O autor esclareceu que há uma diferença entre o texto transcrito por Rymer e o texto que utilizou para sua própria coletânea: trata-se da disposições referentes ao envio de 600 soldados e 80 besteiros para socorrerem D. Fernando.
O artigo 4.º, que se acha no documento manuscripto do Museu Britanico, não se encontra no documento que Rymer publicou. Do mesmo modo falta no do Museu o ultimo artigo, que se encontra no de Rymer. Julgámos pois dever notar esta particularidade, e dar neste logar tanto o que existe no dito manuscripto, como em Rymer, T. VII, p. 15 e 19. Dumont publicou também este Tratado no T. II do seu Corps Diplomatique, p. 92. O leitor poderá melhor notar as differenças entre estes dois actos quando produzirmos as integras originaes destes documentos em a nossa obra do Corpo Diplomático Português nos volumes que encerrão os documentos de Direito publico convencional com a Inglaterra.
Fontes:
CARVALHOSA, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e (Visconde de Santarém). Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias. Tomo 14. Segunda edição. Páginas 54 e seguintes. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1865. Disponível em Internet Archive (www.archive.org).