segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Primeiro Tratado de Windsor II

Paulo Werneck

A tradução em Português do Tratado de Windsor está em Carvalhosa, Visconde de Santarém:
Windsor, An. 1386, Maio 9.

Tratado de paz entre ElRei D. João I e Ricardo II, Rei d'Inglaterra, sendo Plenipotenciarios de Portugal, Fernando Affonso d'Albuquerque, Mestre da ordem de S. Thiago, e Lourenço João Fogaça, Chanceller de Portugal, e d'Inglaterra, Ricardo d'Alberbury, João Clanowe e Ricardo Ronkale.

Em virtude dos respectivos plenos-poderes que acima ficão transcriptos, assignárão os respectivos Ministros o Tratado seguinte, principiando este acto desta maneira: «A todos os que as presentes cartas virem, nós Fernando, Mestre da ordem de S. Thiago nos Reinos de Portugal e do Algarve, e Lourenço João Fogaça, Chanceller, Embaixadores, Procuradores e Commissarios do Serenissimo Principe o Senhor D. João pela graça de Deos, Rei de Portugal, etc.

«O piedoso propósito dos bons Reis, e o dos que reinão com justiça deve ser de preferir o bem commum de seus vassallos, aos seus particulares interesses, e de segurar a tranquillidade dos seus Estados por meio de auxilios e soccorros, para evitar as perturbações e as invasões dos inimigos, o que se póde conseguir, quando os Reis e Principes christãos se manteem na verdadeira obediência á Santa Igreja de Roma.»

Proseguem dizendo, que ElRei seu Amo lhes déra poderes para tratar e estabelecer em seu nome Tralados de liga, amizade e confederação perpetuas, com os Plenipotenciarios de Ricardo II, Ricardo d'Alberbury, João Clanowe, Cavalleiros, e Mestre Ricardo Ronhale, Doctor em Leis. Que em virtude dos poderes respectivos, e depois de diversas conferencias, nas quaes os ditos poderes forão apresentados, estipulárão e ajustárão os artigos seguintes:

Artigo I. Estipulou-se que para o bem publico e tranquillidade dos Reis e dos vassallos dos dois Reinos, haveria entre os mesmos Reis e seus herdeiros e successores, e vassallos de ambos, uma liga, amizade e confederação real e perpetua, e com os alliados delles, de maneira que um seria obrigado a prestar auxilio e soccorro ao outro contra todos os que tentassem de destruir o Estado do outro, excepto porém contra o Soberano Pontifice actual Urbano (VI) e seus successores, e Wenceslau, Rei dos Romanos e de Bohemia, e João, Rei de Castella e de Leão, Duque de Lencastre, tio d'ElRei d'Inglaterra.

Artigo II. Ajustou-se por este artigo e convierão em que todos os vassallos e subditos dos dominios e terras dos sobreditos Prelados, Duques, Condes, Barões, Cavalleiros, Magistrados, Escudeiros, Mercadores de qualquer estado ou condição que fossem, poderião ir, com toda a segurança, aos dominios e terras da outra, ali demorar-se, residir e commerciar com seus subditos; podendo livre e pacificamente voltar para seus respectivos paizes, devendo cada um ser tratado e recebido nos dominios da outra parte contractante amigavelmente como se fosse natural delles, e conforme o modo por que as gentes de igual condição erão nelles tratadas, devendo todavia pagar ao respectivo Soberano e aos Senhores os direitos e encargos que se devem pagar nos ditos paizes e igualmente observar as Leis e estatutos reaes dos mesmos, e os usos e costumes das sobreditas terras.

Artigo III. Conveio-se mutuamente, que por nenhum modo, nem em caso algum, seria permittido aos ditos Reis, e a nenhum de seus vassallos de qualquer estado ou condição que fossem, dar conselho, soccorro ou auxilio nas suas terras e dominios á Nação que tiver sido inimiga ou rebelde á outra (das partes contractantes). Que não seria permittido igualmente a nenhuma dellas conceder ou fretar aos inimigos da outra navios, nem galés, ou outras embarcações, que podessem causar damno á outra parte, e bem assim lhes seria defeso de prestar qualquer outro soccorro seja de que natureza for, ou por nenhum motivo. Obrigando-se além disso a considerar os inimigos dos ditos Reis, terras e dominios, e os de seus herdeiros e successores, como seus próprios e mortaes inimigos, devendo além disso evitar de ter relações com os mesmos, mas antes perseguil-os com todas as suas forças. Ajustando-se que, se qualquer dos subditos delles fosse convencido de ter violado estas estipulações, deveria ser castigado segundo o arbitrio e o modo que determinar o Soberano que receber a offensa.

Artigo IV. Concordou-se e ajustou-se que se no futuro um dos ditos Reis ou seus herdeiros e successores faltar á obrigação de dar auxilio ou soccorro ao outro, quando este lhe fôr legitimamente reclamado, a parte a quem fôr requerido seria obrigada a dal-o áquella que o exigir conforme o modo por que ella o poderia prestar por causa dos perigos que ameaçavão os Reinos e dominios della, e isto sem fraude nem astucia alguma. Estipula-se tambem que se poderião (neste caso) ajustar entre os dois Soberanos, seus commissarios e seus respectivos conselhos, o que respeitar ás despezas, com tanto porém, que a reclamação de soccorro fosse feita seis mezes antes de se exigir a execução della.

Artigo V. Ajustou-se igualmente que todos os bens moveis de qualquer natureza que fossem, que forem tomados por os subditos de um dos ditos Reis, ou de seus herdeiros e successores, aos inimigos do Rei que tiver reclamado o auxilio, pertencerão ao Rei e ás gentes que tiver prestado o dito auxilio para disporem das ditas prezas conforme o costume estabelecido no seu Reino, se porém taes bens forem aprezados no mar, a terça parte pertencerá ao Rei que tiver feito as despezas de armamentos para fazer damno e resistir aos ditos inimigos; mas se acontecer que se aprezem alguns chefes ou grandes capitães de guerra tanto no mar como em terra, estes serão immediatamente, e sem objecção, entregues ao Rei que tiver feito as principaes despezas com o exercito (auxiliar), salvo porém a recompensa que o dito Rei deverá dar áquelles que capturarem os ditos chefes e capitães.

Artigo VI. Os bens immoveis, a saber: as terras, cidades, campos e outros, se forem invadidos e conquistados pelos vassallos de um dos ditos Reis aos inimigos delles, e aos que tiver direito um dos ditos Reis ou seus herdeiros e successores, nesse caso lhes será feita justiça sem contradicção nem difficuldade em qualquer parte que estes bens se acharem situados, tanto a ElRei d'Inglaterra como ao de Portugal, ou áquelle que por direito hereditário ou por qualquer outra via legitima tiver acção sobre os mesmos bens.

Artigo VII. Ajustou-se também que se vier ao conhecimento de uma das ditas partes, que algum mal, damno, ou injuria se trama contra a outra parte tanto por terra, como por mar, aberta ou secretamente, a dita parte contractante o deveria impedir, empregando para isso todo o seu poder, como se ella impedisse o seu próprio damno, devendo assim obrar em favor da outra parte contra a qual se tiver maquinado.

Artigo VIII. Do mesmo modo se ajustou, que nenhumas tregoas ou armisticios, tanto por mar como por terra, serião celebrados, nem ajustados por um dos ditos Reis, ou por seus herdeiros, sem que o outro Rei, seus Reinos e vassallos fossem comprehendidos nas mesmas tregoas e armisticios, afim de que elles podessem gozar dos beneficios de taes ajustes se isso lhes parecer util.

Artigo IX. Se no futuro acontecer (o que praza a Deos que não) que se tenha feito alguma cousa contraria ás estipulações da presente alliança pelos subditos de um dos ditos Reis ou de seus successores e contra a outra parte, seja por incarceraçôes, invasões, tomadas de fortalezas, cidades ou campos, depredações, roubos de pessoas ou de cousas, nestes casos o Rei cujos vassallos tiverem commettido taes injurias e seus herdeiros serão responsáveis e obrigados a reparal-as, e a repôr as mesmas cousas no estado em que anteriormente se achavão, e outrosim de punir os delinquentes com a maior promptidão, seis mezes ao menos depois de feita a reclamação, ficando a dita punição ao arbitrio do Soberano a quem tiver sido feita a injuria, sem que por isso as presentes allianças se possão considerar annulladas ou dissolvidas, e antes pelo contrario ficarão para sempre em vigor.

Artigo X. E ajustou-se por este artigo, que para a conservação das ditas allianças, que por nenhuma (infracção) de um dos artigos antecedentes, ou de todos juntos, ou mesmo pela morte ou mutilação das pessoas, nem por nenhuma violencia ou machinação que podesse occorrer, não poderião estas allianças ser dissolvidas nem violadas, antes pelo contrario os attentados que se mencionárão deverião ser reparados, e as presentes ligas deverião igualmente ficar em pleno vigor.

Artigo XI. Se porém no futuro acontecer, que um dos ditos Reis ou seus herdeiros queira, contra o ajustado neste Tratado, para elle ou para seus subditos, ou para outrem, sem ordem, vontade ou approvação dos mesmos Reis, fazer por elles ou em seu nome, guerra aberta por terra ou por mar, e causar-lhe damno seja sob que pretexto fôr, se ajustou e conveio unanimemente, que neste caso, a parte que commetter a injuria ou violência perderá o beneficio das presentes ligas e allianças ao arbitrio da outra parte que receber a injuria. E a parte offendida terá a livre escolha de infringir as ditas allianças em prejuizo da outra, ou de as considerar em vigor em seu proveito, e além disso de proceder á reparação dos attentados por todos os meios que lhe parecerem opportunos, sem que por isso possa ser tachada de perjuro ou de infamia.

Artigo XII. Estipulou-se e ordenou-se que todos os herdeiros e successores dos ditos Reis nos tempos futuros, um anno a datar do dia da sua coroação, serão obrigados a jurar, e a renovar, ratificar, e confirmar por cartas patentes munidas de seus grandes sellos as presentes allianças, e isto solemne e publicamente em presença das pessoas notaveis; e depois de assim juradas, renovadas e ratificadas, elles serão obrigados a mandar fazer instrumentos publicos, e a transmittil-os á outra parte contractante por uma pessoa segura e digna de credito.

Artigo XIII. Estipulou-se e ordenou-se outrosim que as presentes ligas, logo que fossem escriptas e assignadas, serião juradas solemnemente por elles Commissarios e Procuradores dos ditos Principes, mas tambem pelos mesmos Reis antes de serem entregues ás partes contractantes.»

Seguem-se os plenos-poderes dos dois Soberanos, e depois destes o juramento dos negociadores Portuguezes em presença dos do Rei de Inglaterra, de guardar e fazer observar as ditas ligas, em testemunho do que sellárão com seus sellos este acto, no Palácio de Windsor no dia 9 de Maio do dito anno de 1386, em presença dos Prelados, e Senhores e Conselheiros da Côrte e Conselho de Ricardo II, e ali mesmo o Notario publico que se achava presente á leitura do dito Tratado de liga e d'alliança que teve logar na casa capitular na Capella Real de Windsor deu fé de todas estas cousas; e depois no dia 17 do mesmo mez na camara chamada Estrelada do Palácio Real de Westminster, os Embaixadores de Portugal tornárão a pôr os sellos no presente instrumento em presença de dois Bispos e de outras pessoas.
Fontes:

CARVALHOSA, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e (Visconde de Santarém). Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias. Tomo 14. Segunda edição. Páginas 86 a 94. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1865. Disponível em Internet Archive (www.archive.org).