quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Segundo Tratado de Windsor II

Paulo Werneck

Leonardo da Vinci: Besta Gigante
Fonte: Wiki

Apesar de Sir Hardy ter relacionado o tratado a um aluguel de galés, ou galeras, armadas, pelo preço de 1.200 francos mensais, este é um pouco mais complicado.

Os primeiros seis meses são gratuitos, as galés lutariam sob as ordens do rei inglês às custas do rei português, a menos do pão, que deveria ser fornecido pelo primeiro. Esse empréstimo a título gratuito deve ser uma retribuição ao apoio inglês na luta de D. João contra Castela, que resultou na vitória em Aljubarrota e a numa cabeça coroada.

Todavia após esse prazo, se fosse do interesse inglês continuar com esse reforço, só então as galés custariam os 1.200 francos mensais registrados por Hardy.

O extrato em português do tratado encontra-se no trabalho do Visconde de Santarém:
An. 1386 AD, Maio 9

Convenção ajustada entre ElRei D. João I e Ricardo II, Rei d'Inglaterra, sobre o auxilio que deve prestar de dez galés ao dito Rei d'Inglaterra.

O Mestre da ordem de S. Thiago em Portugal, e Lourenço João Fogaça, Chanceller de Portugal, Cavalleiros e Embaixadores, Procuradores e Commissarios especiaes d'ElRei D. João I, munidos dos poderes sufficientes, e em virtude de outro poder especial, e tambem em consideração aos encargos e despezas que necessariamente El Rei Ricardo de Inglaterra devia fazer em consequência da partida de seu illustre tio, João, Rei de Castella e de Leão, Duque de Lancastre, para sustentar os seus direitos, e com os soccorros mandados neste anno a ElRei de Portugal; em consideração de tudo isto elles Embaixadores promettêrão e ajustárão o seguinte:

Artigo I. Que o dito Rei de Portugal mandaria no principio do próximo verão a ElRei d'Inglaterra dez galés esquipadas á custa delle Rei de Portugal, bem armadas, a saber com um patrão, tres alcaides, seis avrenisi (sic), dois carpinteiros, oito ou dez marinheiros, trinta ballesteiros, cento e oitenta remeiros, dois aubanei (?) em cada galé.

Artigo II. Logo que as ditas galés chegarem a Inglaterra, servirão com lealdade o dito Rei Ricardo II, e executarão as ordens delle, e dos seus Almirantes, isto porém até á Festa de S. Miguel (29 de Setembro), empregando todas as suas forças na destruição dos inimigos delle Rei, não devendo por esse serviço pedir ou exigir cousa alguma do dito Rei d'Inglaterra.

Artigo III. No caso que no verão próximo as ditas dez galés não tiverem servido seis mezes ao dito Rei d'Inglaterra, á custa d'ElRei de Portugal, este porá de novo á disposição do mesmo Soberano no verão seguinte, quando por este lhe fôr requerido, seja por meio de cartas, ou por um Enviado do sobredito Rei, dez galés sufficientemente armadas para servirem durante o espaço de seis mezes, e pela maneira sobredita; com tanto porém que o dito Rei d'Inglaterra satisfaça ao de Portugal a somma de 1,200 francos por mez por cada galé por todo o tempo que exceder o serviço de seis mezes.

Artigo IV. Os seis mezes sobreditos principiarão a contar-se do dia em que as ditas galés partirem para Inglaterra, e poderão estas, no fim dos ditos seis mezes, isto é, quinze dias antes de terminar o dito praso, voltar para o seu paiz.

Artigo V. Estipulou-se que em quanto as gentes das ditas galés se demorarem em Inglaterra ou nos portos vizinhos do mesmo Reino, e ás ordens d'ElRei d'lnglaterra, e isto á custa d'ElRei de Portugal, ou quando estiverem para regressar, o dito Rei (Ricardo II) lhes fornecerá o pão necessário até á somma de 400 marcos sterlinos.

Artigo VI. Determinou-se que os bens moveis de qualquer natureza que fossem, sendo apresados aos inimigos do Rei d'Inglaterra pelas gentes das ditas galés, em quanto estivessem ao serviço da Inglaterra, e á custa e expensas d'ElRei de Portugal, pertencerião a este ultimo Soberano, e ás gentes das dilas galés, para disporem das mesmas prezas conforme o costume de Portugal.

Artigo VII. Quanto porém aos bens que poderião ser adquiridos pelas ditas gentes durante o tempo em que servirem á custa d'ElRei d'Inglaterra, ajustou-se que taes bens pertencerião ao dito Rei, e lhe serião entregues ou a seus Commissarios sem contestação, com tanto porém, que se as ditas gentes apresarem aos inimigos um ou muitos chefes de guerra (Generaes) ou grandes Capitães, ellas os entregarão ao dito Rei, devendo corresponder-lhe (com recompensa) como entre elles se ajustasse, ou com os Commissarios delle Rei de Inglaterra.

Artigo VIII. Ajustou-se que se os bens immoveis, a saber, cidades e terras dos inimigos do dito Rei d'Inglaterra, fossem invadidas ou tomadas pelas gentes das ditas galés, em quanto estas estivessem ao serviço do dito Rei, e que sobre as mesmas cidades e terras o mesmo Rei reclame seu direito hereditário, nesse caso lhe deverião ser entregues immediatamente e sem a menor condição ou difficuldade.

Em consequência destes ajustes, os ditos Embaixadores, Commissarios e Procuradores d'ElRei de Portugal promettêrão em nome d'ElRei seu Amo, e no seu, e jurárão sobre os Santos Evangelhos, em presença dos Procuradores do dito Rei d'Inglaterra, de observar e fazer observar todas as ditas cousas como se ajustárão, em testemunho do que pozerão os seus sellos (na presente convenção) em Windsor (no dia acima indicado) em presença de um grande numero de testemunhas.
Carvalhosa nos esclarece que a tripulação era composta por um patrão, o comandante da galera; tres alcaides, responsáveis pela ordem; seis controladores do leme; dois carpinteiros, oito ou dez marinheiros, trinta ballesteiros, cento e oitenta remeiros e dois aubanei em cada galé.

Os marinheiros deveriam controlar as velas e os demais trabalhos de marinharia. Os carpinteiros são importantíssimos, para calafetar o barco, reparar os danos infligidos nas batalhas ou em acidentes. Os balesteiros seriam os soldados, munidos de bestas, ou balestas, ou ainda balestras. Aubanei nem Santarém nem eu sabemos o que venha a ser.

Fontes:

CARVALHOSA, Manuel Francisco de Barros e Sousa de Mesquita de Macedo Leitão e (Visconde de Santarém). Quadro Elementar das Relações Politicas e Diplomáticas de Portugal com as Diversas Potencias do Mundo Desde o Principio da Monarchia Portugueza Até aos Nossos Dias. Tomo 14. Segunda edição. Páginas 94 a 98. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1865. Disponível em Internet Archive (www.archive.org).

HARDY, Sir Thomas Duffus. Syllabus (in English) of the Documents Relating to England and other Kingdoms Contained in the Collectio Known as "Rymer's Foedera". Vol II. 1377-1654. Pag. 511. London: Longmans, Trübner, & Co. 1873.