quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Fechando Brechas na Reserva de Mercado

Paulo Werneck


Anônimo: Tecelão em Nuremberg (c. 1425)
Fonte: Wikipedia;

Vimos em Uma Reserva de Mercado "Recatada" que foi estabelecida uma reserva de mercado em favor das tecelagens portuguesas, sob o manto moral de restrição ao luxo supérfluo.

Onze anos após  foi publicado um novo alvará, desta vez para fechar alguma brecha de interpretação da Pragmática de 25 de janeiro de 1677:
EU EL-REI faço saber aos que este meu Alvará virem, que, por ter intendido que os droguetes-pannos se comprehendiam na prohibição geral dos pannos, que eram fabricados dentro do Reino, dos quaes mandei se não usasse, nem despachassem nas Alfandegas destes Reinos, como mandei estabelecer por Lei de 9 de Agosto de 1686; e sendo igual a razão para se não exceptuarem os taes droguetes, pela utilidade e conveniencia, que resulta a meus Vassallos, de se gastarem sómente os pannos fabricados no Reino - sou servido resolver, e declarar, que da publicação deste Alvará em diante se não possa usar nestes meus Reinos e Senhorios dos ditos droguetes-pannos, nem serão despachados nas Alfandegas. E para melhor observancia deste Alvará, ficarão os transgressores delle comprehendidos nas penas impostas na dita Pragmatica, e terá seu plenario effeito no mesmo dia em que a Pragmatica se começar a executar. E este se cumprirá, tão inteiramente, como nelle se contém, o qual valerá como Lei. Pelo que mando ao meu Chanceller-mór o faça publicar na Chancellaria do Reino, e enviar a copia delle pelas Commarcas; e se registará no Livro da Mesa do Desembargo do paço, Casa da Supplicação e Relação do Porto, e nos mais Tribunaes da minha Côrte, aonde semelhantes Leis se costumam registar.

Thomaz da Silva, o fez, em Lisboa, a 28 de Setembro, anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1688. Francisco Galvão o fez escrever. - REI.

Liv. VI de Leis da Torre do Tombo fol. 28. norma
Obviamente esse alvará foi publicado para eliminar uma brecha na interpretação na Pragmática, o droguete-pano sendo importado apesar da proibição. Que tecido seria esse que suscitou essa complementação?

Segundo Bluteau, droguetes seriam tecidos produzidos com fios de linho e de seda, ou de linho e lã. Já
Moraes Silva entende que seria um tecido fino de lã, o droguete-pano algo mais encorpado.

O artigo I da Pragmática proibia o uso de seda; o IV o de panos produzidos fora do Reino. Certamente um pano mesclado de seda e linho poderia ser entendido, por oficial aduaneiro mais sensível aos argumentos do importador, como não sendo seda, e portanto fora da vedação, mas, mesmo assim, o artigo IV vedaria tal interpretação. Para sabermos ao certo qual a válvula de escape seria necessário encontramos alguns despachos dos tais droguetes-panos ou alguma decisão sobre o assunto.

Texto do Alvará digitalizado com auxílio de Ocr.space.

Atualização em 29/01/2017: Luis Lisante informa que droguete era "tecido de lã, ou de lã e linho, ou ainda de lã e seda. Quando a lã era mais encorpada dizia-se droguete pano. O droguete rei era o de melhor qualidades. Sendo tecido com lã, seda e prata e/ou ouro podia ser chamado de estofo".

Fontes:

BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 - 1728. 8 v.

LISANTI Filho, Luís. Negócios Coloniais (uma correspondência comercial do Século XVIII). Brasília: Ministério da Fazenda; São Paulo: Visão Editorial, 1973.

PORTUGAL. Carta de Lei de 25 de janeiro de 1677. Pragmática sobre os trajos e jogos de parar. in SILVA, José Justino de Andrada e Silva. Collecção Chronológica da Legislação Portugueza Compilada e Annotada. Segunda Serie (Conclusão) 1675-1683 e Supplemento à Segunda Serie 1641-1685. Lisboa: Imprensa de F. X. de Souza, 1857

PORTUGAL. Alvará de 28 de setembro de 1688. Declaração da Pragmática de 25 de janeiro de 1677, sobre droguetes panos. in SILVA, José Justino de Andrada e Silva. Collecção Chronológica da Legislação Portugueza Compilada e Annotada. 1683-1700. Lisboa: Imprensa Nacional, 1859.

SILVA, Antonio Moraes. Diccionario da lingua portugueza. Lisboa: Typographia Lacerdina, 1813.