segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Fim da Reserva de Mercado: Comentários Praieiros

Paulo Werneck


Primeira página do Diário Novo
Fonte: memoria.bn.br

Vimos que o Conde da Ericeira procurou desenvolver a indústria textil em Portugal, criando uma reserva de mercado disfarçada em medidas moralizadoras de proibição do luxo, isso final do século XVII, com a publicação de "Pragmáticas", leis destinadas a disciplinar o vestir.

Todavia o conde morreu e seus sucessores acabaram com essa reserva de mercado, por meio do Tratado de Methuen, que abriu o mercado português aos têxteis ingleses, em troca de uma vantagem tarifária para os vinhos.

A Academia das Sciencias de Lisboa publicou, em 1791, uma defesa das medidas de Ericeira e crítica ao tratado (veja O Fim da Reserva de Mercado).

Mais tarde, no Brasil, o jornal Diário Novo publica em 1845 mais uma matéria abordando esse assunto, na mesma linha de defesa das medidas do Conde de Ericeira e crítica ao tratado de Methuen. Que jornal era esse? Um jornal dos liberais de Pernambuco, aqueles que poucos anos depois parciparão da "Revolução Praieira". Abaixo está transcrito o texto em questão, parte de um artigo de uma série. Ei-lo:
Os nossos artistas
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A experiencia vem em apoio das observações, que havemos feito em nossos artigos antecedentes: e por isso passaremos á apresentar exemplos, que satisfactoriamente demonstrão que nação alguma póde jamais attingir o gráo de perfeição, de que é susceptivel, sem a devida protecção da industria domestica.

Portugal offerece-nos o primeiro exemplo. As fabricas de lanificios estabelecidas em 1661 somente prosperarão verdadeiramente depois que em 1664 o conde de Ericeira, prohibio a importação de todos os pannos de lã estrangeiros, e bastou essa medida protectora, para que os Portuguezes em pouco tempo adquirissem tal pericia na fabricação dos lanificios, que, continuando as fabricas á prosperar, tanto Portugal, como o Brazil erão inteiramente suppridos por ellas. Os Inglezes procurarão introduzir as suas sarjas de lan, e droquetes : mas o governo portuguez os prohibio igoalmente.

Entretanto o tratado de M. Methuen, fazendo cessar a prohibição dos pannos ingleses, e estipulando que nunca mais para o futuro serião probibidos os lanificios inglezes, causou a ruina das fabricas em Portugal, e dahi seguirão-se tão graves prejuizos, q' assim se exprime á este respeito o British Merchant (o negociante inglez).

"O que ganhamos por este tratado (o de M. Methuen) e por um tão grande augmento das nossas exportações para Portugal consistio nas grandes sommas de dinheiro, que poupamos para pagar o nosso exercito em Portugal e Hespanha, com grande proveito para o nosso erario, servindo o saldo em dinheiro assim obtido de Portugal para fazer subsistir grande numero de nossos operarios occupados nas manufacturas de lanificios por um valor igual ao do saldo devido."

"Durante a prohibição dos nossos lanificios, que durou vinte annos, as fabricas portuguezas prosperárão por tal feição, q' de lá não tiravamos nem ouro, nem prata: mos depois que cessou a prohibição, foi tão grande a quantidade. que de lá extrahimos, que mui pouca ficou na circulação; e havendo quasi exgotado a prata comecçamos á tirar-lhe o ouro. As nossas exportações para Portugal depois do tratado montarão, e talvez excederão 1.300.000 libras sterlinas." Eis-aqui pois demonstrado pela practica que Portugal, que ia prosperando por principios oppostos aos da doutrina de Smith, perdeu consideravelmente, logo que a adoptou; e foi alimentar a industria estrangeira com a perda de todo o cabedal, que no tempo de D. João 5.º tirara das minas do Brazil. E releva advertir, para melbor se poder avaliar a importancia das vantagens, que obteve a Inglaterra pelo tratado de Methuen, e o mal que delle veio á Portugal, que naquella epoca o valor total das exportações da Inglaterra não excedia, segundo informações exactas, 700,000 libras sterlinas, e o balanço à favor della não passava de 2.000,000 libras, do qual um milhão sterlino era fornecido por Portugal.

Anderson na sua obra sobre a industria da Inglaterra assim se exprime á respeito das medidas tomadas pelo conde de Ericeira para favoreaer a industria portugueza.

"Desta maneira adquirio Portugal em poucos annos pela activa energia de urn ministro habil um perfeito conhecimento em um ramo principal das manufacturas de lan, que poderia ter conservado até o dia de hoje com infinito proveito dos pobres subditos de S. M. F., se pela morte daquelle patriotico fidalgo não tivesse a nação perdido o seu melhor conselheiro, tendo-se deixado illudir pelo astuto ministro inglez M. Methluen:" - E acrescenta depois que bastarão somente quatro annos para levar á um notavel gráo de perfeição as fabricas de Covilhã e Portalegre.

E qual foi o augmento que teve a agricultura em Portugal depois desse celebra tratado de Methuen? Apenas na provincia d'Entre-Douro-e-Minho cresceu mediocremente no ramo dos vinhos: o que certamente não foi devido ao tratado; pois já antes delle erão favorecidos em Inglaterra por mais baratos, melhores, e por opposicão á França, rival constante da Inglaterra: entretanto que se não fora o tratado, e tivesse Portugal conltinuado no systema começado, teria adquirido capitaes consideraveis pelo commercio, e á paz das fabricas de lanificios, de linho, seda etc. teria florecido a agricultura: conservando o paiz a enorme quantidade de ouro, que tirou das minas do Brazil no tempo de D. João 5.º: a qual em lugar de alimentar a iudustria estrangeira, teria dado incremento á industria domestica.
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Ainda hoje se publicam críticas a esses acontecimentos, como Pereira, na insuspeita Carta Mensal da Confederação Nacional do Comércio, que considera o Tratado de Methuen "desastroso para a economia".

Todavia apesar de todas as lições da História, ainda hoje querem entregar o que sobrou do nosso mercado, não à Grã-Bretanha, hoje uma sombra da potência que foi, mas aos Estados Unidos, seus sucessores, sem o mesmo aplomb.

Fontes:

DIARIO NOVO, Os Nossos Artistas. 3º. Quarta-feira, 3 de Dezembro de 1845, nº 268. Recife: Typ. Imp., 1845. Disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

PEREIRA, Antonio Celso Alves. O Congresso de Viena e a Elevação do Brasil a Reino Unido - 200 anos. In Carta Mensal nº 738, Setembro, 2016. Rio de Janeiro: CNC, 2016.