quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Autoridade do Juiz Conservador

Paulo Werneck


Cristino: Cadeia do Limoeiro
Fonte: http://lisboadeantigamente.blogspot.com

Visto que os juízes conservadores eram juizes especializados, quais os poderes desses juizes? Sem pretender apresentar uma relação exaustiva dos poderes a eles conferidos, algo complicado pela sistematização falha da legislação, problema que ainda hoje vivenciamos apesar de todos os nossos recursos, mas dificultada sobremaneira em épocas de comunicações demoradas e textos escritos a bico de pena e impressos rudimentarmente.

Assim a relação será resumida a dois documentos que abordam este tema, qual seja um determinando que a prisão do privilegiado depende do juiz conservador e outro atribuindo ao juiz conservador as causas comerciais.

O primeiro documento reitera que a prisão de cidadãos inglezes só poderiam ser presos mediande flagrante ou ordem do Juiz Conservador dos Ingleses.
Ord. Liv. I. Tit. 52. §. 9.

Decreto, em que se declarou, que nenhum Inglez poderia ser preso sem mandado do seu Conservador, salvo em fragante delicto.

Por parte da Nação Ingleza se me representou, que sendo-lhe concedido pelo 13 Artigo do Tratado das pazes, que nenhum Julgador, ou outro Official de Justiça pudesse mandar prender nenhum Vassalo d'El-Rei da Grão Bretanha, meu bom Irmão e Primo, por causa civel, ou crime, sem primeiro ter Mandado do Juiz Conservador, se não observa o dito artigo, mandando-se prender cada dia Inglezes, sem preceder o tal Mandado; e porque, conforme ao Capitulado, só em fragante delicto podião ser presos os Inglezes por quaesquer Ministros Meus, e nos outros casos se deve recorrer ao Conservador, ou pôr cumpra-se nas ordens, encommendo ao Regedor da Casa da Supplicação, na fórma do dito artigo, o faça observar. Em Lisboa a 23 de Agosto de 1667. REI.

Liv. 10 da Supplicação fol. 131 vers.
Note-se que esse decreto não inovou a legislação portuguesa, apenas ratificou a legislação preexistente, que não estaria sendo observada.

O segundo documento consiste em um assento da Casa da Suplicação, tribunal superior, que determina que em casos com concurso de credores, em que um é um cidadão privilegiado com um juiz conservador, o caso deve ser encaminhado ao juiz conservador da sua nação.
Assento CCCXVI de 17 de Março de 1792
CCCXVI.

Causas de preferencia, em que concorre Credor de alguma das Nações privilegiadas, pertencem incontestavelmente aos seus respectivos Conservadores. Vejão-se os nn. LXIII. e CCCXI.

Aos 17 de Março de 1792, na Meza Grande da Casa da Supplicação o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor José de Vasconcellos e Sousa, Conde de Pombeiro, do Conselho de Sua Magestade, Capitão da Sua Guarda Real, e Regedor das Justiças, participou aos Desembargadores dos Aggravos abaixo assignados, que sendo presente á dita Senhora, em Representação do Consul Geral da Nação Britannica, que na Relação e Casa do Porto entrára em dúvida, se os Concursos de preferencia entre os Credores de um executado, sendo um delles das Nações privilegiadas, se comprehendião na generalidade das Conservatorias concedidas ás ditas Nacões; e se sustentára, que a ellas devia prevalecer a Regra de se formarem os Concursos nos Juizos das primeiras penhoras, fôra servida mandar, que propondo-se o conteudo na dita Representação a Assento nesta Mesa, se pozesse fim á questão decisivamente. E ordenando o dito Senhor Regedor, que assim se cumprisse, se assentou quasi por uniformidade de votos, que devendo ceder as Regras geraes ás particulares, quaes os privilegios legitimamente concedidos, e sendo incontestavel o das Conservatorias concedidas ás referidas Nações para todas as Causas provenientes do Commercio, em que os respectivos Nacionaes forem Autores ou Réos, sem mais excepção que as do Fisco, na conformidade dos Tratados, das Reaes Resoluções, promulgadas para a observancia delles, e dos Assentos, que se tomárão nesta Mesa em diversos tempos, e ultimamente aos 15 de Fevereiro do anno proximo, de especial Ordem da mesma Senhora, fixando-se por termos os mais energicos e decretorios a generalidade do referido privilegio, não devia entrar em dúvida, que nelle se comprehendem os Concursos de Preferencia, em que figure algum dos Estrangeiros privilegiados; pois que nos ditos Concursos são reciprocamente Autores e Réos todos os que pertendem preferir, formando cada um, e contestando os respectivos artigos: E que devendo reduzir-se á conformidade dos referidos Tratados, Resoluções, e Assentos anteriores, todos os despachos e sentenças, que se acharem proferidas em Causas pendentes contra a generalidade do referido privilegio, como se declarou e se prevenio no dito Assento de 15 de Fevereiro do anno proximo, com mais razão se devião reduzir á dita conformidade os Acordãos da Relação do Porto referidos na dita Representação, por serem proferidos já depois do dito ultimo Assento. E para nao vir mais em dúvida, se fez este, que o dito Senhor Regedor assinou com os Ministros, que nelle votárão. Regedor. Valle. Ribeiro de Lemos. Velho da Costa. Ferreira Castello. Mattos. Godinho. Torres. Doutor Mendes. Ganhado. Menezes. Caldeira. Corrêa. Borges. Faria. Fajardo. Botto. Brandão.

Liv. 2 da Supplicação fol. 177.
Este assento é mais um documento a ratificar que diversas nações tinham direito a juízes conservadores, qual seja, era uma prática genérica do Reino de Portugal, não uma vergonhosa submissão aos interesses britânicos.

Uma questão fica indeterminada: ocorrendo pluralidade de credores privilegiados de diferentes nações, a qual dos juizes conservadores seria atribuído o processo?

Fontes:

FREITAS, Joaquim Inácio de. Collecção Chronologica de Leis Extravagantes, Posteriores à Nova Compilação das Ordenações do Reino, Publicadas em 1603, p. 159. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1819.

PORTUGAL. Collecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Civel. II. Collecção Chronologica dos Assentos das Casas da Supplicação e do Civel. p. 491-493. Coimbra: Imprensa da Real Universidade, 1817.