segunda-feira, 21 de março de 2011

Inversão do Ônus da Prova

Paulo Werneck
Van Loo & Vermet: Marques de Pombal
Fonte: Wikipedia
Uma das regras do Direito é que quem acusa tem de provar a acusação que faz, tem o ônus da prova.
Modernamente, considerando as diferenças de recursos existentes entre o consumidor, que acusa, e o fornecedor de mercadorias ou serviços, que é acusado, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro admite a inversão do dever de provar. O consumidor reclama, por exemplo, que o produto que adquiriu não funciona. Então o vendedor tem que provar que funciona sim, para evitar ser condenado.
Esse raciocínio não é tão recente assim: em 12 de dezembro de 1756, nos Estatutos da Junta do Comércio, Capítulo XVII, número 6, foi prevista essa inversão no caso de contrabando:
Para da mesma sorte obviar as tergiversações, com que até agora subterfugirão os Réos do referido crime as condemnações, que por elle merecião, excluindo-as ordinariamente por defeito de prova: Foi tambem Sua Magestade Servido resolver, conformando-se com os costumes a este respeito estabelecidos nas Alfandegas mais bem reguladas da Europa, que em todos os casos, nos quaes se acharem as mercadorias extraviadas dos caminhos direitos, que conduzem ás respectivas Alfandegas, e Casas de Despacho, se acharem sem despacho em qualquer embarcação differente da que as transportou; se acharem sem sellos da Alfandega, sendo de natureza de se costumarem sellar, posto que sejão retalhos de sete covados para baixo; e se acharem as mercadorias prohibidas pela dita Pragmática de seis de Maio de mil setecentos quarenta e nove em qualquer lugar onde estiverem, ou quaesquer outros generos defendidos pelas Leis deste Reino sem despachos; em todos estes casos tenha a Fazenda Real a sua intenção fundada em Direito, para pela assistencia do mesmo Direito se julgar o contrabando plenamente provado, e se transferir ao contrabandista comprehendido nos sobreditos casos, e outros semelhantes, o encargo da prova exclusiva do delicto, posto que seja Réo; prova, que sempre deve ser tão clara, e tão liquida, como he necessario, que seja para excluir a presumpção de Direito, estabelecida na sobredita fórma. Sendo porém a pessoa em cuja mão forem achadas as fazendas, ou retalhos sem sello, pessoas, que não sejão de commercio, e que mostrem logo notoriamente, que comprárão para seu próprio uso, não terão pena alguma; nem serão obrigadas a seguir livramento.
Esses estatutos forem aprovados 4 dias depois, por Alvará do Rei D. José I, o Reformador, mais uma das muitas reformas do seu primeiro ministro, o Marques de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo.
O argumento foi simples: os oficiais das alfândegas conseguiam prender os contrabandistas, mas eles conseguiam escapar da condenação, por falta de provas. Então Sua Magestade criou a presunção legal de culpabilidade e o acusado que provasse que focinho de porco não era tomada.
Ao lermos o artigo, é necessário alguns cuidados. "Intenção fundada em Direito" dir-se-ia modernamente   "presunção legal", "generos defendidos" seriam "mercadorias proibidas", etc.
Uma observação: apesar de parecer uma instituição da sociedade civil, como o são hoje as associações comerciais, a Junta do Comércio era um órgão governamental, grosso modo semelhante ao nosso Ministério da Indústria e do Comércio Exterior.

Fonte da norma: SILVA, António Delgado da. Collecção da Legislação Portugueza desde a última Compilação das Ordenações - Legislação de 1750 a 1762, p. 458 a 479. Lisboa: Typografia Maigrense, 1830. Disponível em www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt.