quinta-feira, 2 de junho de 2011

Parceria Público Privada

Paulo Werneck
Real Theatro São João (1835), por Loeillot
Fonte: www.bn.br
Hoje nos parece que a parceria público privada é uma grande novidade. Não é bem assim: em 1810, o então Príncipe Regente, futuro D. João VI, apelou para essa parceria para construir um teatro, que veio a se denominar Real Theatro São João, por meio de um decreto de 28 de maio de 1810:
Fazendo-se absolutamente necessario nesta Capital que se erija um Theatro decente, e proporcionado á população, e ao maior gráo de elevação e grandeza em que hoje se acha pela minha residencia nella, e pela concurrencia de estrangeiros, e de outras pessoas que vêm das extensas Provincias de todos os meus Estados: fui servido encarregar ao Doutor Paulo Fernandes Vianna, do Meu Conselho e Intendente Geral da Policia, do cuidado e diligencia de promover todos os meios para elle se erigir, e conservar sem dispendio das rendas publicas, e sem ser por meio de alguma nova contribuição que grave mais os meus fieis vassallos, a quem antes desejo alliviar de todas ellas; e havendo-me proposto o mesmo Intendente que grande parte dos Meus vassallos residentes nesta Córte me haviam já feito conhecer que por ser esta obra do meu real agrado, e de notoria necessidade, se prestavam de boa vontade o dar-me mais uma prova de seu amor, e distincta fidelidade, concorrendo por meio de acções a fazer o fundo conveniente, principalmente si eu houvesse por bem de tomar o dito Theatro debaixo de minha protecção, e de permittir que com relação ao meu real nome se denominasse Real Theatro de S. João. Querendo corresponder ao amor que assim mostram á minha real pessoa, e com que tanto se distinguem nesta acção: sou servido honrar o dito Theatro com a minha real protecção, e com a pretendida invocação, acceitando além disso a offerta que por mão do mesmo Intendente fez Fernando José de Almeida de um terreno a este fim proporcionado, que possue defronte á Igreja da Lampadosa, permittindo que nelle se erija o dito Theatro, segundo o plano que me foi presente, e que baixará com este assignado pelo mesmo proprietario do dito terreno, que além disso se offerece a concorrer com seus fundos, industria, administração e trabalho, não só para a erecção, como para o reger, e fazer trabalhar. E sou outrosim servido, para mostrar mais quanto esta offerta me é agradavel, conceder que tudo, quanto fôr necessario, para o seu fabrico, oruato e vestuaario, até o dia em que se abrir, e principiar a trabalhar, se dê livre de todos os direitos nas Alfandegas, onde os deve pagar; que se possa servir da pedra de cantaria que existe no resalto, ou muralha do edificio publico que fica contiguo a elle, e que de muitos annos se não tem concluido; e que, depois que entrar a trabalhar, para seu maior aceio, e mais perfeita conservação, sa lhe permittirão seis loterias, segundo o plano que eu houver de approvar, a beneficio do mesmo Theatro. E porque tambem é justo e de razão que os accionistas, que concorrem para o fundo necessario para sua erecção, fiquem seguros assim dos juros dos seus capitaes que os vencerem, como dos mesmos Capitaes, por isso mesmo que os offertaram sem estipulação de tempo: determino que o mesmo Intendente Geral da Policia, a cuja particular e privativa inspecção fica a dita obra e o mesmo Theatro, faça arrecadar por mão de um thesoureiro, que nomeará, todas as acções, e despendel-as por ferias por elle assignadas, reservando dos rendimentos aquella porção que se deva recolher ao cofre para o pagamento dos juros, e a amortisação dos principaes, para depois de extinctos estes pagamentos, que devem ser certos, e de inteiro credito e confiança, passar e edificio e todos os seus pertences ao dominio e propriedade do proprietario do terreno; ficando entretanto o dito edificio e quanto nelle houver com hypotheca legal, especial e privilegiada ao distracto dos referidos fundos. O Conde de Aguiar, do meu Conselho de Estado, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Brazil, o tenha assim entendido e faça executar com as ordens necessarias ao Intendente Geral da Policia e mais Estações onde convier. Palacio do Rio de Janeiro em 28 de Maio de 1810. Com a rubrica do Principe Regente.
O referido  Paulo Fernandes Vianna, Intendente Geral da Policia, não tinha apenas que combater a bandidagem e à circulação de idéias subversivas, mas o termo policiar, à época, significa dar "polimento" ao comportamento da sociedade, englobando coisas tão diversas como o asseio, o arruamento, as fontes e chafarizes, enfim as comodidades da civilização, donde ficar afeto à construção do teatro.
O teatro foi assim cometido à iniciativa privada, mas teve diversos favores públicos. Foi efetivamente construído, inaugurado em 1813, trocou de nome várias vezes, até que foi posto abaixo e no lugar construído o atual Teatro João Caetano.
Fontes:
Collecção de Leis do Brazil de 1810. Cartas de Lei, Alvarás, Decretos e Cartas Régias. p. 112. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional: 1891.
Sérgio Barra. Entre a Corte e a Cidade: o Rio de Janeiro no tempo do rei (1808-1821). Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.