quarta-feira, 21 de março de 2012

Medidas paliativas à interrupção do Comércio, em 1808

Paulo Werneck

Voltando a leitura à primeira edição do CORREIO BRAZILIENSE ou ARMAZÉM LITERÁRIO, de junho de 1808, encontrei uma curiosa notícia na seção Miscelânea, páginas 76 e 77, sobre a decisão do embaixador português em Londres para reanimar o comércio então parado entre o Reino Unido e Portugal.

Já era conhecida a fuga de Dom João para o Brasil e a queda de Portugal ante as forças francesas. O problema é que a porta de entrada das mercadorias bretãs no Reino de Portugal se dava por Lisboa, de modo que não havia como prosseguir o comércio londrino de exportação, situação ainda mais difícil para aqueles comerciantes em função do bloqueio continental.

A notícia é de 1º de junho e relata o jeitinho "português" dado pelo representante diplomático:
O Embaixador de Portugal, nesta Capital, de acordo com os negociantes, que desejavam remetter fazendas para o Brazil, fez alguns regulamentos (privisionaes até que a vontade do Principe Regente lhe seja conhecida) estabelecendo as condiçoens com que darîa licenças, para se exportárem para o Brazil as manufacturas d'Algodaõ Inglezas. Estas saõ em summa as condiçoens.

1. Todos os negociantes que desejarem exportar para o Brazil fazendas de algodão, manufacturadas em Inglaterra sem esperar pelos regulamentos de S. A. R. seraõ obrigados a obter uma licença do Conselho Privado; para ir a Cabo frio, e esperar la as Instrucçoens de S. A. R. relativamente ao porto de descarga, ao qual somente poderão ir em conseqüência de uma convenção, que devem assignar pare este fim.

2. Todos os Capitaens e Proprietários prestarão na Alfândega de Londres uma fiança, igual ao valor da carga, para exhibir a sua carregação na Alfândega do porto em que houverem de desembarcar, e onde S. A. R o Principe Regente permittir a entrada de algodoens, manufacturados em Inglaterra.

3. Todos os Capitaens e Proprietários se obrigarão a pagar na Alfândega dos dictos portos de descarga os mesmos direitos, que se pagavam em Portugal pelas laãs; ou, em lugar disso, aquelles direitos, que se houverem ja estabelecido para as manufacturas de algodão Inglezas.

4. Para segurança de que se naõ exportam fazendas da India, se apresentará o conhecimento ou manifesto da carga, certificado debaixo de juramento, e vereficado, segundo o custume da Alfandega; este será assignado pelo Cônsul Geral J. C. Lucena, e pelo mesmo Embaixador Portuguez.

As condiçoens concluem assim "Com estas condiçoens, que contem tudo o que o Commercio pode racionavelmente desejar, por agóra, darei de boa vontade a cada capitão uma licença para fazer a sua viagem, na conformidade dos arranjamentos acima dictos, e no caso de que se naõ encontrem, em Cabo Frio, as ordens necessarias, seguirão as instrucçoens, que se acham no verso da minha licença."

"P. S. Naõ tenho necessidade de dizer, que logo que se me apresentar a licença do Conselho Privado, &c. será o manifesto assignado por mim, e a licença expedida immediatamente, gratis.


Memorandum, que será endorsado nas licenças.

Terá a bondade de communicar ao Portador desta carta Capitão do Navio -------- as ordens que tiver de S. A. R. o Principe Regente, para a admissão, em certos portos, dos navios carregados com as fazendas especificadas nesta licença. No caso que naõ hajam ordens desta natureza em Cabo Frio, rogo aos Commandantes das Fortalezas da Lage, e de Sancta Cruz, que péçam as ordens do Principe, dirigindo-se á Secretaria de Estado da Repartição a que isto pertence; e que as communique ao Portador.
Essa notícia vai seguida por outra (p. 77 e 78) dando conta da famosa Carta Régia da Abertura dos Portos, escrita ainda em Salvador, a 28 de janeiro (veja íntegra).
A 11 do mez passado chegou a ésta Cidade o Cap. Gonçalo Gomes de Mello, que aportou a Falmouth no brigue Golfinho. Trouxe despachos para o nosso Governo, e para o Embaixador Portuguez, com a noticia official de Haver chegado á Bahia o Principe Regente, aos 19 de Janeiro. Aos 28 publicou o Principe um Decreto, pelo qual regula o commercio do Brazil com os estrangeiros (este Decreto aparecerá no numero seguinte no lugar competente.) O mais notavel deste Documento he, que S. M., naõ fazendo distincçaõ entre a bandeira nacional, e a estrangeira, quanto aos direitos da Alfândega, vem a pôr os seus navios em desvantagem para o Commercio externo; porque sendo em todas as outras partes os navios nacionaes mais favorecidos, que os estrangeiros, vem a bandeira Portuguezes a ficar inferior em lucros na torna viagem. Os primeiros que tem que sentir este Damno seraõ os navios Portuguezes, que agora se ácham em Londres; porque a maior parte delles terá de voltar em lastro para o Brazil.
A crítica do editor do Correio procede. Como os países da época faziam diferença nos tributos sobre as importações e exportações, privilegiando as mercadorias transportadas em embarcações com as suas bandeiras, para os britânicos seria mais vantajoso colocar as cargas de exportação em seus barcos, beneficiando-se de menores taxas na saída, que em barcos portugueses, uma vez que ao chegarem ao destino ambos seriam tributados da mesma maneira. Por isso a previsão do editor de que as naus portuguesas fariam a viagem de retorno (torna viagem) sem carga (em lastro) e portanto sem receber o pagamento dos fretes.

Essa mesma abertura açodada cometeu Collor, ao abrir o mercado brasileiro às demais nações, sem obter nenhuma vantagem em troca.

Note-se entretanto um certo descompasso entre as duas notícias. Se no dia 11 de maio já havia chegado a Londres a notícia da abertura dos portos, seria ociosa a decisão do embaixador.