segunda-feira, 19 de março de 2012

O que exportar para Londres em 1808?

Paulo Werneck
Recentemente deparei com a coleção dos jornais Correio Braziliense, de Hippólyto José da Costa Pereira Furtado de Mendonça, em Londres, de junho de 1808 até dezembro de 1822, considerado o primeiro jornal brasileiro.

Esse jornal era publicado mensalmente, mas a numeração das páginas continuava de um mês para outro, reiniciando no início do semestre seguinte, ensejando a encadernação semestral com índices providenciados ao final do último exemplar (junho e dezembro, respectivamente). A única exceção ficou por conta do primeiro volume que contou com sete edições, de junho a dezembro.

O leitor poderá encontrar a coleção completa, edição a edição, na Brasiliana Digital.

Na edição número 7, dezembro de 1808, página 588 do primeiro volume, encontrei uma interessante matéria, que transcrevo a seguir, no formato diplomático, cujo título é "Reflexaõ sobre os Generos do Brazil que se devem mandar para a Inglaterra", como se verifica no sumário, pois na seção "Commercio e Artes", onde foi incluída, segue direta o título da seção.
COMMERCIO E ARTES.

O IMPORTANTE commercio, que o Brazil tem de fazer com a Inglaterra, me faz persuadir, que aos leitores do Correio Braziliense será agradavel, achar aqui uma idea succincta do estado actual do mercado, em Londres, pelo que diz respeito aos productos do Brazil. O mais lucrativio genero, que do Brazil se pode agora mandar para Inglaterra he o algodaõ. A exportaçaö deste artigo, para fora da Inglaterra, he probibida; para con‹ servar o algodaõ no mais baixo preço possivel; mas o embargo que os Americanos poséram aos seus navios, privando a Inglaterra dos generos dos Estados Unidos, tem necessariamente augmentado o preço do algodaõ; mas este preço diminuirá, logo que o embargo Americano venha a cessar, acontecimento, que se espera, mas cuja epocha he absolutamente incerta.

Proximo ao algodaõ he o sebo: este artigo vinha da Russia, e este paiz naõ so está em guerra com a Inglaterra, mas naõ ha, por agora, nenhuma probabilidade de que altere o seu systema; por consequencia he de esperar, que o sebo continue a ter o alto preço que agora produz. O preço deste artigo éra, antes de se fechar o Baltico 50 até 70 shellings o quintal, agora he de 120 para cima, e se supoem que continuará a subir.

O assucar, que faz um dos principaes ramos das producçoens do Brazil, he a este momento de mui pouco valor em Londres, pela difficuldade que ha de o reexportar para o Continente da Europa; e pela grande quantidade deste genero, que tem chegado das Indias Orientaes, e Occidentaes. Alem disto o assucar, que naõ he de colonias Inglezas, paga taõ pezados direitos na Alfandega, que naõ faz conta nenhuma vendéllo em Inglaterra. Mas havendo agora uma prohibiçaõ de se distilarem os graõs, que saõ comestiveis, os distiladores de licores espirituosos se viram obrigados a valer-se do assucar, para delle distilarem os licores, donde se seguio um augmento de 20 por cento neste genero, que he natural subsista até a colheita que vem.

O tabaco, que he outro ramo consideravel, nas producçoens do Brazil tem subido quasi na mesma proporçaõ do algodaõ, com o embargo dos Estados Unidos; demaneira que se acha n'um preço 5 vezes maior do que era d'antes: mas parando o embargo Americano sem duvida este artigo descerá ainda a menos do que dantes éra.

O caffé, tem agóra mais consumo, em consequencia de se lhe diminuirem os direitos que pagava; e por isso tem subido o seu preço: mas este he um dos generos, que, naõ sendo producto de colonias Inglezas, naõ pode vender-se para o consumo do paiz, sendo obrigado quem o tem a vendêllo com a expressa clausula de ser para exportaçaõ.

O embargo da America tem tambem feito subir o preço do arroz; e o arroz do Brazil tem boa reputaçaõ; porém éra para desejar, que os cultivadores deste artigo, no Brazil, mandassem buscar semente á Carolina nos Estados Unidos; aonde ha variedades desta planta, desconhecidas no Brazil; e poucas experiencias bastariam para dar a conhecer, qual éra a especie que mais convem ao clima e terreno; porque he evidente que o arroz da Carolina tem melhor, fervura que o do Brazil.

O anil do Brazil he de qualidade mui inferior; eu naõ decidirei se isto provem da qualidade da planta, se da maneira de o fabricar. O mercado abunda deste artigo, e se no Brazil naõ houver cuidado de o produzir melhor, naõ fará conta aos negociantes mandallo para aqui; a menos que o naõ comprem por mui baixo preço.

Os couros naõ produzem agora bom preço; mas isto he devido á grande quantidade, que se ajunctou deste artigo em Inglaterra, quando se fecháram ao Commercio a maior parte dos portos do continente; mas este artigo he de um consumo geral, e quando este grande suprimento, que ha no mercado, descahir, os couros continuaraõ a produzir um preço que naõ dará perca, sendo comprados no Rio-Grande: a sola e atanados, porém, saõ obrigados a taõ altos direitos na alfandega, que quasi monta a uma probibiçaõ formal de os importer para Inglaterra.

O cacao do Brazil continurá empre a ter um bom preço no mercado, assim como o tem agóra; mas os negociantes do Brasil deveraõ cuidar em remettello naõ somente novo, e sem mistura de velho; mas até limpo das impurezas de que muitas vezes vem inquinado, e que lhe diminue considerabilissimamente o preço.

As drogas que podem vir do Brazil, como saõ a quina, ipecuacuanha; salsaparillha, e outras, continuaõ a ter um bom preço no mercado.

As pontas de boi tem um preço soffrivel, mas alem de ser um artigo de pouco consumo, he taõ volumoso, relativamente ao valor, que se deve reputar esta uma especulacaõ de pouca conta.

A caxaça ou agoardente de cana, ha tempos que se tem conservado em preço alto, e naõ he provavel que abata.

Para dar alguma idea do que rendem as mercadonias do Brazil no estado actual, aqui se poem uma pequena lista, dos preços medios no mez de Dezembro; sendo o calculo do dinheiro feito ao cambio de 70 peniques por mil reis. Os pesos, saõ notados por approximaçaõ exacta, mas julga-se que a differença he de um por cento entre os pezos do Rio de Janeiro e os de Londres. Os fretes dependem inteiramente das circumstancias, nos Portos do Brazil, ao tempo do embarque; e os seguros, com o Comboi, saõ ordinariamente de 8 até 10 por cento, mas isto tambem depende das esquadras, que andam fóra, e de outros incidentes.
Os direitos do algodaõ na importaçaõ regulam-se pela tarifa seguinte.
£. S. D.
- 16 10½ por 100 arrateis: vindo de colonias Inglezas, ou Ilhas
- 16 10½ por ditto : de Turquia em navios Inglezes
1 5 5 por ditto : vindo de Turquia em navios Estrangeiros
1 5 3½ por ditto : de qualquer outro lugar em navios Inglezes
1 13 10½ por ditto : vindo de dito em navios Estrangeiros
Na exportaçaõ, segundo a ultima ordem em Coselho, paga o algodaõ nove Peniques por libra.
Observe-se que na ocasião a Europa estava praticamente dominada pela França napoleônica, que tinha decretado o bloqueio continental contra o Reino Unido, em cuja sequência o Príncipe Regende Dom João veio comandar o Império Portuguez a partir do Rio de Janeiro, a salvo portanto do corso.

Alguns leitores desconhecerão algumas das mercadorias presentes na lista. Minha mãe ainda usava anil para clarear as roupas brancas. Era um disco compacto dentro de um saquinho de pano, como se fosse uma bala, que deixava a água azul.

Já as drogas nunca soube delas, mas pesquisando rapidamente no Houaiss verifiquei que a quina nomeia várias plantas sulamericanas cujas cascas tem propriedades antitérmicas, e donde se extrai o quinino. Salsaparrilha e ipecacuanha também possuem propriedades medicinais.

O sebo servia para fazer velas.

Observe-se também a moeda usada no Reino Unido: Era a Libra, dividida em 20 xelins (shillings), cada qual em 12 pênis (singular penny, plural pence). Desde 1971 o Reino Unido adotou o sistema decimal para a sua moeda e a partir de então a libra está dividida em 100 pênis. A abreviatura, todavia, era £ S D, onde D vinha de denarius, moeda de prata do Império Romano...