quarta-feira, 11 de junho de 2008

Foral da Alfândega de Lisboa - Prólogo

Paulo Werneck

Braun and Hogenberg, Civitates Obis Terrarum, 1572: Lisboa
Fonte: http://historic-cities.huji.ac.il/

FORAL DA ALFANDEGA DA CIDADE DE LISBOA.
DOM Phillippe por graça de Deos Rey de Portugal, e dos Algarves, daquem, e dalem mar em Africa, ſenhor de Guiné, e da conquiſta, navegaçaõ commercio de Ethiopia, Arabia, Perſia, e da India, &c. Faço ſaber aos que eſte Foral, e Regimento virem que ſendo informado, que era neceſſario prover-ſe novamente no modo que ſe devia ter na arrecadaçaõ de meus direitos da Alfandega deſta Cidade de Liſboa: aſſim por ſer muito antigo o Foral de que ſe nella eté agora uſou, como pela diverſidade dos caſos que depois delle ſuccederaõ pela variadade dos tempos, e que ſe naõ arrecadavaõ os direitos da dita Alfandega pela ordem que convinha a meu ſerviço, nem o Provedor, e Officiaes della podiaõ dar certa determinaçaõ nas couſas que muitas vezes ſuccediaõ, por ſe naõ uſar quaſi em todo do dito Foral, e pela confuſaõ que cauſavaõ as muitas proviſoens que ſe depois delle ordenaraõ, encontrando-ſe em muitos caſos, pelos quaes reſpeitos querendo prover na boa arrecadaçaõ dos ditos direitos, pela maneira que pertencem á minha fazenda, e na adminiſtraçaõ da dita Alfandega; e ſobre todas as mais couſas tocantes a ella, para que o Provedor, e Officiaes a governem em tudo, deſpachando as partes conforme a direito. Mandei ao Védor de minha fazenda da repartiçaõ do Reino, Juizes, e mais Officiaes della por mim nomeados, que juntamente com o Provedor da dita Alfandega, ordenaſſem, e fizeſſem novo Foral á dita caſa, com a conſideraçaõ devida, aſſim no que tocava a meu ſerviço, boa arrecadaçaõ dos direitos da dita Alfandega, como ao deſpacho, e haviamento das partes, e ſendo continuos na dita occupaçaõ, por eſpaço de muito tempo, vendo o dito Foral antigo, e Regimentos, e proviſões paſſadas ſobre a dita Alfandega, examinando tudo me deraõ particular conta deſte Foral. E viſto por mim.
Hei por bem, e me praz, que daqui em diante ſe uſe delle, e naõ do antigo, nem de outras provisões algumas, de qualquer qualidade, e ſuſtancia que ſejaõ, que em parte, ou em todo forem em contrario deſte Foral, porque todas derogo, e hei por derogadas: E mando ao Provedor, e Officiaes da dita Alfandega, que ora faõ, e pelo tempo em diante forem que deſte Foral uſem, e conforme a elle deſpachem as partes, e mercadorias, e façaõ o mais que ſe nelle contém pela maneira ſeguinte.

O Foral da Alfândega de Lisboa foi publicado em 15 de outubro de 1587, durante o reinado de Filipe I (1527-1598), que durou de 17 de abril de 1581 a 13 de setembro de 1598.
Felipe era um monarca dual, pois também era rei da Espanha sob o nome de Filipe II, ou seja, dois reinos independentes entre si, com um só rei.
Portugal, tecnicamente, não estava sob domínio da Espanha: ambos eram governados pelo mesmo rei. Na prática, claro, os interesses e as amizades do rei naturalmente seriam mais espanhóis que portugueses, tanto que continuou a governar de Madri.
Conforme estabelecido nas Cortes de Tomar de 1581, a regência do Reino de Portugal deveria ser confiada pelo rei a um português ou a um membro da Família Real. Em 1587 era Vice-rei o Cardeal Alberto de Áustria, Arquiduque de Áustria, que governou de 11 de fevereiro de 1583 a 5 de julho de 1593.
No prólogo isso pode ser visto claramente. Felipe II se intitulou rei de Portugal, dos Algarves, e das demais terras que faziam parte do Reino de Portugal, não fazendo qualquer referência às demais terras sobre as quais reinava, que incluíam Nápoles, Sicília, Sardenha, bem como outras terras com outros títulos, como duque e conde. Já havia sido até mesmo rei da Inglaterra!
A motivação que levou à publicação do Foral também está expressa na introdução: consolidar e atualizar a legislação aduaneira, antiga e remendada, o que causava dúvidas e confusões quando da aplicação.
Vale lembrar que, apesar da evolução do comércio, àquela época, ter sido lenta, pelo menos em comparação com os dias de hoje, não podemos esquecer Portugal tinha estabelecido a rota comercial marítima com a Índia e as suas terras na América também eram produtivas, o que havia revolucionado a movimentação do porto de Lisboa em relação à toda sua história anterior.
Infelizmente não faz menção à data do Foral anterior, aquele que estava sendo revogado. Se algum leitor dispor de alguma informação a esse respeito, será muito benvinda.
Vale ressaltar que o foral regula a arrecadação dos direitos de Filipe: são pessoais, a distinção entre o governante, no caso o rei, e o estado, no caso o reino, ainda era muito sutil. "L'État c'est moi", o estado sou eu, frase célebre atribuída a Luís XIV (1638-1715), rei de França, pode parecer pretensiosa hoje, megalomaníaca talvez, mas correspondia bem de perto à situação política daquela época.
Foram citadas diversas autoridades: vedor da Fazenda, provedor, oficiais, e juízes da Alfândega.
Os Vedores da Fazenda eram encarregados de arrecadar os direitos e rendas do Reino (Ordenações Afonsinas, Livro I, Título III), inclusive julgar feitos envolvendo tributos (Ordenações Manuelinas, Livro I, Título VII). Com o Regimento de Vedores da Fazenda, de 1516, os vedores passaram a despachar, isolada ou colegialmente, constituindo a Mesa da Fazenda, que se reunia na Casa da Fazenda, situada no Paço Real. Passaram também a existir três Vedores da Fazenda:, um para a Vedoria do Reino, outro para a da Índia e outro para a de África e dos Contos, mudando a Vedoria todos os anos de titular. Equivaleriam a um colegiado de ministros da fazenda.
O provedor da Alfândega seria a mais alta autoridade dela, o que hoje equivaleria ao cargo de Inspetor, só que com mais autoridade e autonomia, inclusive elaborando as pautas, que indicavam o quantum de direitos deveria ser cobrado para cada mercadoria.
Os oficiais e juizes da Alfândega corresponderiam aos auditores fiscais modernos.
Os juizes da Alfândega tinham como mister julgar os feitos envolvendo não só mercadorias e fretes, mas também questões cíveis envolvendo marinheiros, mercadores, entre outras atribuições (Leis Extravagantes, Primeira Parte, Título XII).
Estas descrições, no entanto, são ainda tentativas, coligidas de diversas fontes esparsas. Se algum leitor dispor de alguma informação a esse respeito, será muito bem-vinda.Referências
LIÃO, Duarte Nunes de. Leis Extravagantes e Repertório das Ordenações. Lisboa: Antonio Gonçalves, 1569. Edição facsimilar: Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1987.
PORTUGAL. Ordenações Afonsinas. Coimbra: Real Imprensa da Universidade de Coimbra, 1792. Edição facsimilar: Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984.

Ponteiros
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